Como seria viver sem dor nas costas?
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Evidência científica no tratamento da dor lombar inespecífica
A dor lombar é um distúrbio comum. Quase todas as pessoas são afetadas em algum momento da sua vida. A maioria tem dor de curta duração e rapidamente retoma a atividade normal, independentemente da orientação terapêutica que recebeu. Uma percentagem menor desenvolve uma dor crónica (com mais de três meses de duração) e incapacidade.
Segundo a Associação Portuguesa para o Estudo da Dor, um em cada três portugueses sofre de dor crónica. Destes, a maioria tem dor de origem músculo-esquelética, estando a dor lombar no topo das queixas.
No Reino Unido, a professora Ann More (em representação da Chartered Society of Physioterapists) refere que a lombalgia afeta um em cada três adultos. Nos EUA, a Associação Americana de Fisioterapeutas avança que 75 a 85% dos adultos serão afetados por dor lombar ao longo da sua vida. Esta condição representa uma das maiores causas de absentismo ao trabalho e é motivo de um elevadíssimo número de atendimentos em consulta e nas urgências. Números que indicam que esta “doença” significa um elevado impacto económico-financeiro nos estados e seguradoras, o que tem motivado a comunidade científica a investigar o assunto. Na ordem de prioridades está a determinação de quais os tratamentos mais eficazes de modo a estabelecer o que é e o que não é pago, por ser considerado ineficaz ou por ter uma eficácia reduzida.
Ao contrário de países como os EUA, o Reino Unido, a Bélgica, a Suíça, entre outros, em Portugal o Ministério de Saúde continua a não ter como critério para pagamento dos serviços de saúde a sua eficácia e evidência científica. Se assim fosse o estado deixaria de gastar milhões com técnicas obsoletas e cuja evidência científica claramente mostra ser ineficaz. Um dos exemplos é a fisioterapia “clássica” das clínicas convencionadas com a Segurança Social, nas quais os próprios doentes sem conhecimento científico dizem ser inútil.
Para que os cuidados de saúde sejam de qualidade, devem estar centrados no paciente e apoiados por informações baseadas na evidência.
De um modo geral, há uma abordagem geralmente aceite para o tratamento da dor lombar com duração inferior a seis semanas (lombalgia aguda). Já nas situações que persistem, além destas seis semanas, a situação é diferente. O consenso sobre a melhor terapêutica a utilizar não tem existido e a oferta é incrivelmente elevada, existindo muitas abordagens diferentes que acabam por confundir os profissionais e, especialmente, os doentes. É neste sentido que as organizações de investigação científica e de garantia da qualidade dos serviços de saúde têm promovido a criação de Normas de Orientação Clínica ou Guidelines de modo a clarificar o que os doentes devem e não devem fazer, partindo de uma base científica e com resultados demonstrados.
No caso da lombalgia “inespecífica” as “Clinical Guidelines”, ou Normas de orientação Clínica do Instituto Nacional para a Saúde e Excelência Clínica do Reino Unido (http://www.nice.org.uk/), afirmam que se deve:
1) Proporcionar às pessoas informação e conselhos para promover a autogestão da dor lombar;
2) Encorajar os pacientes a manterem-se fisicamente ativos e a continuarem as suas tarefas da vida diária o melhor possível;
3) Ter em atenção as expetativas e preferências dos pacientes na escolha dos tratamentos a oferecer;
4) Propor uma das seguintes opções: um programa de exercícios, um programa de terapia manual ou um programa de acupuntura. Considerar outra destas opções em caso de um dos programas não sortir o efeito desejado;
5) Dentro do programa de exercícios:
a. Aconselhar as pessoas com dor lombar a fazer exercício;
b. Propor um programa de exercícios estruturado e adaptado num máximo de oito sessões ao longo de 12 semanas;
c. Propor exercício em grupo, sendo os grupos constituídos no máximo por dez pessoas cada;
d. O programa de exercícios deve incluir atividade aeróbia, instruções precisas para o movimento, fortalecimento muscular adequado, controlo postural e alongamentos;
6) Dentro da Terapia Manual:
a. Propor um programa de terapia manual no qual se inclui a manipulação vertebral, num máximo de nove sessões num período de 12 semanas;
b. Não fazer terapias Eletro-físicas, como o Laser, Correntes Interferencias, Ultra-Som, TENS, tração mecânica, nem promover o uso suportes lombares;
7) Considerar a hipótese de um programa de acupuntura num máximo de dez sessões ao longo de 12 semanas;
8) Não fazer a infiltração de substâncias na coluna lombar;
9) Considerar a hipótese de um programa conjunto de terapia física (terapia manual, exercício ou acupunctura) com terapia psicológica;
10) Dentro da terapia farmacológica:
a. Indicar a toma de paracetamol como primeira opção e quando este não resulta indicar a toma de anti-inflamatórios não esteróides ou opióides fracos;
b. Considerar a indicação de anti-depressivos tricíclicos se os outros medicamentos não forem suficientemente eficazes no alívio da dor;
c. Considerar a indicação de opióides fortes por curtos períodos em situações de dor severa;
d. Basear as decisões da continuação da medicação em função das respostas individuais à terapêutica;
11) Referir para a cirurgia quando:
a. Foi feita todo o conjunto de abordagens anteriores de forma correta, incluindo a combinação do programa físico com o psicológico e ainda assim a dor persistir;
b. Não propor técnicas cirúrgicas cuja evidência não demonstra resultados.
Apesar desta evidência, ainda há muito por demonstrar. Numa revisão sistemática da Cochrane, publicada em 2008, os autores demonstram que a manipulação vertebral não tem resultados superiores às restantes intervenções standard, quer na fase aguda quer na fase crónica.
Julgo que isto demonstra que há ainda que definir/diferenciar melhor as causas da dor lombar não específica, ou seja, se é de causa muscular, articular, discal, de modo a determinar melhor qual o tipo de intervenção. Se desta forma tão generalizada já há evidência de que a terapia manual e o exercício têm uma eficácia comprovada, fará quando essa terapêutica for mais direcionada ao problema. Esta é a minha experiência clínica. A minha evidência clínica diz-me que a eficácia é muito elevada, com um reduzido número de sessões, quer em situações de dor aguda, quer em dor crónica. A intervenção é baseada na terapia manual, no exercício e no ensino (estratégias de educação e entendimento), mas muito específica para o problema em causa.
De um modo geral os fisioterapeutas têm experiência em terapia manual, na prescrição de exercício adequado e na educação e aconselhamento para os problemas musculo-esqueléticos. Esta experiência vem agora ser comprovada pela investigação científica, fazendo da fisioterapia a primeira medida a ser tomada em caso de dor lombar sub-aguda ou crónica. No caso da dor lombar aguda, a evidência ainda não demonstra claramente a vantagem da fisioterapia, mas isso parece-me ter a ver com a forma como são feitos os estudos. Um programa adequado de terapia manual e exercício promovem a correção mecânica do problema, mesmo na fase aguda, com melhores resultados num curto prazo comparativamente às situações em que fazem apenas medicação nesta fase. Esta é a nossa experiência clínica. Na fase aguda, a dor de facto não diminuiu imediatamente, razão pelo qual, pela minha experiência, julgo que um programa combinado de terapia farmacológica com um programa de terapia manual e exercício (estabilização da lombar) serão o método mais eficaz.
Referências:
Roger Chou, MD, and Laurie Hoyt Huffman, MS (2007). “Nonpharmacologic Therapies for Acute and Chronic Low Back Pain: A Review of the Evidence for an American Pain Society/American College of Physicians Clinical Practice Guideline”. Annals of Internal Medicine 2007 Oct 2;147(7):478-91
(Nota: Este estudo é referenciado pela Agencia Americana para a qualidade da Saúde http://www.guideline.gov )
Savigny P, Kuntze S, Watson P, Underwood M, Ritchie G , Cotterell M, Hill D, Browne N, Buchanan E, Coffey P, Dixon P, Drummond C, Flanagan M, Greenough,C, Griffiths M, Halliday-Bell J, Hettinga D, Vogel S, Walsh D. (2009). “Low Back Pain: early management of persistent non-specific low back pain”. London: National Collaborating Centre for Primary Care and Royal College of General Practitioners. Publicado pela National Institute for Health and Clinical Excellence.
(Nota: A NICE é um organismo independente, responsável por providenciar as orientações clínicas para a melhoria da qualidade na saúde no Reino Unido).
Willem JJ Assendelft, Sally C Morton, Emily I Yu, Marika J Suttorp, Paul G Shekelle (2008). “Spinal manipulative therapy for low-back pain”. The Cochrane Library
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