Evidência das técnicas da Fisioterapia no tratamento da lombalgia crónica inespecífica – Revisão de Guidelines

14:56

Resumo

Introdução: A Lombalgia é o sintoma mais comum tratado pelo Fisioterapeuta, existindo centenas de estudos controlados aleatorizados que se dedicam a esta temática. Para compilar toda essa informação, pesquisadores desenvolveram guias de prática clínica com base na evidência (PBE) com o objectivo de orientar os profissionais e estabelecer uma abordagem universal para a intervenção deste diagnóstico. 

Objectivos: Analisar a evidência disponível sobre a Efectividade das técnicas de Fisioterapia no tratamento da dor lombar crónica inespecífica. 

Metodologia: A pesquisa foi realizada nas seguintes bases de dados; Medline, PEDro, Cochrane, Science Direct, B-on e Google Académico, tendo como critérios de inclusão: Guidelines mono ou multidisciplinares, com recomendações para a lombalgia inespecífica crónica e tratamento conservador (não invasivo e não farmacológico). Estes critérios abrangem guidelines datadas de 2001 a 2011, nas línguas portuguesa, inglesa ou espanhola, relacionadas com a temática em estudo e os resultados obtidos, que averigúem a eficácia das técnicas de Fisioterapia no tratamento desta condição clínica. 

Resultados: De um total de 17 artigos, inicialmente obtidos, foram excluídos sete, por não preencherem os critérios de inclusão. Dos restantes dez artigos foram analisadas quais as técnicas defendidas como eficazes e quais aquelas que não reúnem evidência que permita a sua recomendação. 

Conclusões: Técnicas centradas na Electroterapia, Termoterapia ou Repouso são apontadas como ineficazes, sendo recomendável basear a intervenção em técnicas como o Exercício, Terapia manual e Ensino ao utente, assim como através de uma abordagem multidisciplinar.

Palavras-chave: Lombalgia Crónica Inespecífica, Guidelines, Tratamento, Fisioterapia, Prática baseada na Evidência

Abstract

Introduction: Low back pain is the most common symptom treated by physiotherapist and there are hundreds of randomized controlled studies dedicated to this theme. To compile all information, guidelines to clinical practice based on evidence (PBE) were developed by researchers to guide professionals and establish a universal approach of intervention on low back pain. Objectives: Review and analyze available evidence of Physiotherapy techniques effectiveness in chronic nonspecific low back pain treatment. Methods: Data from Medline, PEDro, Cochrane, Science Direct, B-on and Academic Google were selected using inclusion criteria: mono or multidisciplinary guidelines with recommendations for chronic nonspecific low back pain and conservative treatment (non-invasive and non-pharmacological). Inclusion criteria include guidelines from 2001 to 2011 dated in portuguese, english or spanish related to the theme under study and obtained achievements establishing Physiotherapy techniques effectiveness in the treatment of this clinical condition. Results: In the initial search 17 articles were obtained but 7 didn’t satisfy the inclusion criteria being excluded. The 10 remaining articles were analyzed selecting the effective techniques advocated and those who do not provide evidence to permit recommendation.Conclusions: Electrotherapy, heat therapy techniques or rest are pointed as non-effective. Nevertheless, intervention techniques based in exercise, manual therapy and patient education/instruction are recommended as well as a multidisciplinary approach.
Key words: Chronic nonspecific low back pain; guidelines; treatment; physiotherapy, Evidence based practice.

1.    Introdução

Na Europa, a dor lombar é um motivo frequente para a utilização de cuidados de saúde, em particular consultas de medicina geral e familiar, ortopedia, e cuidados de fisioterapia, tornando-se um dos maiores problemas para os sistemas de saúde pública no mundo ocidental durante a segunda metade do século vinte1.
Cerca de 70 a 85% dos indivíduos experimentam ao longo da sua vida algum episódio de dor lombar, destes, 80 a 90% recuperam dentro de um período de seis semanas, independentemente do recurso a tratamento2. Contudo, verifica-se que cerca de 5 a 15% destes utentes desenvolve dor lombar crónica, a qual implica uma abordagem mais complexa3. A literatura refere igualmente que os utentes que mais recorrem aos serviços de saúde devido a dor lombar são aqueles que referem dor mais intensa, dor crónica ou maiores limitações funcionais, sendo também neste grupo que se regista maior absentismo laboral4.
A lombalgia inespecífica representa cerca de 90% dos pacientes com dor lombar5, sendo por isto alvo de enfoque neste trabalho. A lombalgia inespecífica refere-se assim à dor lombar que não possui uma causa física particular, tal como a compressão de uma raiz nervosa, trauma, osteoporose, infecção, presença de tumor, síndrome da cauda equina, espondilite anquilosante ou outras desordens inflamatórias5,6. Este quadro clínico pode envolver dor, tensão e/ou rigidez na região lombar, a qual pode estender-se desde a região inferior da caixa torácica até às pregas glúteas e coxas, não sendo identificada uma causa concreta para a dor. Desta forma, várias estruturas na coluna, tais como articulações, discos ou tecido conjuntivo, podem contribuir para estes sintomas6.
A dor crónica deve ser encarada como uma experiência multidimensional desagradável, envolvendo não só um componente sensorial mas também um componente emocional, e que se associa a uma lesão tecidular concreta ou potencial, ou é descrita em função dessa lesão. Deste modo, o doente com dor deve ser abordado de acordo com o modelo biopsicossocial, em que terão que ser tidos em conta não apenas os aspectos sensoriais da dor (localização, intensidade, duração, etc.), como também as implicações psicológicas, sociais e até culturais, associadas à patologia dolorosa7.
A prevalência da lombalgia é conhecida em vários países e há estudos que demonstram uma tendência para aumentar8.
Em 2008, foi conduzido um estudo em grande escala para explorar a prevalência, severidade, tratamento e impacto da dor crónica na Europa (15 países, Portugal não incluído). Os autores verificaram que 19% dos adultos Europeus sofrem de dor crónica de intensidade moderada a severa, afectando seriamente a sua qualidade de vida, relações sociais e trabalho. Muito poucos recebiam tratamento especializado e praticamente metade dos doentes recebiam tratamento inadequado. Destes, metade referiam a dor nas costas. Os autores concluíram que apesar de existirem algumas diferenças entre os países onde foram realizadas as entrevistas, a dor crónica é um problema grave de saúde na Europa e deve ser abordado seriamente9.
Em Portugal, a prevalência de dor foi estudada em 2002, pelo Observatório Nacional de Saúde do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, com vista a melhorar o conhecimento sobre a frequência, a distribuição e algumas consequências das principais formas de dor na população portuguesa. 73,7% dos inquiridos manifestou a ocorrência de dor nos sete dias que antecederam a entrevista, sendo que destes 51,3% referiu que a dor se localizava nas costas10 .
Em 2005/2006 foi realizado o Quarto Inquérito Nacional de Saúde, pelo Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA), em parceria com o Instituto Nacional de Estatística (INE), apresentando resultados que evidenciam que numa amostra de 10 549 424 residentes, 1 685 501 apresentam dor crónica, resultando numa taxa de prevalência 16% deste sintoma11.
Considerando a dor como uma prioridade no âmbito da prestação de cuidados de saúde, a Direção Geral de Saúde desenvolveu um Programa Nacional de Controlo da Dor12. Recentemente Miguel Gouveia veio apresentar os custos indiretos da dor crónica lombar e nas articulações em Portugal, baseando-se nos dados do 4º Inquérito Nacional de Saúde de 2005/2006. Estes custos ascendem os €738,85 milhões, sendo €280,95 milhões devidos ao absentismo gerado pela incapacidade de curto prazo e €458,90 milhões devidos à redução do volume de emprego por reformas antecipadas e outras formas de não participação no mercado de trabalho. A estes valores acrescenta a taxa de presentismo (redução da produtividade enquanto presente no local de trabalho) não considerado neste estudo13.
Com base na elevada incidência atual dos quadros álgicos lombares, com ou sem irradiação para os membros inferiores, tem-se verificado um crescente número de investigação acerca deste tema, de forma a prevenir o seu aparecimento, tratá-lo de forma mais efetiva e reduzir os custos de saúde diretos e indiretos.
A fisioterapia apresenta-se como uma intervenção de primeira linha no tratamento desta condição6, seja por indicação médica ou por acesso direto, sobretudo nos casos agudos que não melhoram com a terapêutica farmacológica, nos recorrentes e nos crónicos. 6% da População Europeia recorre ao fisioterapeuta para  tratamento de dor crónica9. São múltiplos os estudos dedicados à investigação da efetividade das diferentes abordagens e técnicas usadas pelo Fisioterapeuta no tratamento e reabilitação do paciente com dor lombar crónica inespecífica. Contudo, os resultados são controversos, não permitindo inferir de forma segura a sua efetividade. Esta situação prende-se com a falta de rigor das metodologias usadas nos estudos disponíveis. As limitações dos estudos mais referidas prendem-se essencialmente com a heterogeneidade e o número reduzido das amostras seleccionadas, a falta critérios uniformes na medição dos resultados, a falta de sensibilidade dos instrumentos de medida utilizados, e os diferentes níveis de especialização dos fisioterapeutas que aplicam estas abordagens terapêuticas14.
Perante este quadro de evidência controversa, os fisioterapeutas têm dificuldade em selecionar a melhor estratégia de intervenção. As linhas orientadoras (guidelines) baseadas na melhor evidência científica (revisões sistemáticas com meta-análise), em vez das preferências pessoais, deveriam ser o quadro referencial em que os fisioterapeutas se baseiam para escolher o tratamento mais efetivo15.
Este trabalho tem como objetivo analisar a evidência disponível com base em guidelines, sobre a Efetividade da Fisioterapia em pacientes com lombalgia crónica inespecífica (LCI), procurando uma resposta para a questão:
Qual a efetividade da Fisioterapia no tratamento de pacientes com lombalgia crónica inespecífica?

2.    Metodologia

Critérios de Selecção
Tipos de estudos
No âmbito do presente trabalho, apenas foram selecionadas Practice Guidelines publicadas, com recomendações para o tratamento conservador não invasivo e não farmacológico.

Tipo de Intervenção
Para o tipo de intervenção foram escolhidos estudos que refiram o uso de técnicas da Fisioterapia no tratamento de pacientes com LCI. Nesta revisão, incluímos todos os estudos de avaliação da efetividade da Fisioterapia que descrevam de forma clara o tratamento.

Período de Recuo na Publicação
Este trabalho apenas inclui artigos publicados entre os anos 2001 e 2011 (inclusive).

Idioma da Publicação
Os idiomas escolhidos foram o Português, o Inglês e o Espanhol por serem os dominados pelos autores.

Métodos de pesquisa para identificação dos estudos
As bases de dados científicas escolhidas tiveram em conta o facto de apresentarem uma plataforma que permitisse a pesquisa online, sendo utilizadas: a PEDro (Physiotherapy Evidence Database), a CENTRAL (Cochrane Central Register of Controlled Trials), a MEDLINE (Medical Literature Analysis and Retrieval System Online), a B-on (Biblioteca do Conhecimento Online), a Science Direct e o Google Académico. Foram selecionadas estas seis bases de dados uma vez que a primeira é específica em Fisioterapia e as restantes pelo facto de serem bastante abrangentes e generalistas, possuindo uma vasta gama de artigos.
As palavras-chave de pesquisa seleccionadas foram “chronic low back pain” AND “guidelines” AND “treatment”. AND “physiotherapy OR physical therapy” AND “Evidence Based Practice”.

Seleção dos estudos
As Practice Guidelines foram identificadas através de uma pesquisa eletrónica nas bases de dados referidas, por oito revisores independentes, de forma cega padronizada, obedecendo ao protocolo delineado, no período de Janeiro a Fevereiro de 2012. Numa fase inicial, foram obtidos um total de 17 artigos (Practice Guidelines). Destes foram excluídos sete artigos: três por não apresentarem os idiomas previamente estabelecidos nos critérios de inclusão16,17,18; um por ser monodisciplinar, referindo técnicas essencialmente médicas e invasivas que não constituíam interesse para o nosso estudo19; um por ser publicado por um indivíduo ou grupo de indivíduos, sem o patrocínio ou apoio oficial de uma entidade20; um por apresentar uma bibliografia baseada em RCT’s e meta-análises muito antigas21 e o último por se tratar de um artigo de 2004 que sofreu uma atualização em 2006, incluindo-se assim apenas a atualização mais recente22. Para a realização deste processo, foram utilizados os critérios PEDro para a inclusão ou exclusão de uma Evidence Practice Guideline.
Foram assim incluídas para análise nesta revisão 10 Practice Guidelines.

Extração de Dados Recolhidos
A informação selecionada de cada Practice Guideline incluiu (1) as caraterísticas das guidelines (país, ano, autores), (2) o tipo de intervenção terapêutica, (3) o tipo de evidência (técnicas com evidência de eficácia, técnicas sem eficácia ou evidência de ineficácia) e (4) recomendações.

3.    Resultados

Como forma de análise dos artigos selecionados, os autores optaram por rever quais as técnicas de fisioterapia com evidência de eficácia e, desta forma, recomendáveis no tratamento da LCI. Por outro lado, aquelas que não apresentavam evidência da sua efetividade ou apresentavam evidência de ineficácia, sendo consequentemente não recomendadas pelos autores das guidelines.
O ensino ao utente apresenta-se como técnica eficaz no tratamento da LCI, mencionada em seis guidelines23,24,5,25-27. Relativamente ao programa educacional com exercício, este é defendido apenas por uma guideline25 e referenciada como técnica sem evidência de eficácia noutra guideline30, constituindo uma informação controversa.
A terapia manual tem uma representação de eficácia de cinco guidelines24,5,25,6,29,  em comparação com duas guidelines 23,27, que argumentam que esta técnica não é recomendável por não apresentar suficiente evidência de eficácia.
A massagem não apresenta resultados significativos para o nosso estudo, uma vez que se encontra apontada como técnica eficaz no tratamento da LCI por 4 guidelines23,24,25,30 e citada por outras quatro como técnica sem evidência no tratamento desta condição clínica5,26-28. O exercício terapêutico individual é referenciado no total das dez guidelines analisadas como uma técnica com eficácia no tratamento da condição clínica em estudo.
O exercício terapêutico em grupo é defendido por quatro guidelines como sendo eficaz no tratamento da LCI5,25,26,6. Por seu lado, a atividade física geral apresenta-se citada por cinco guidelines como modalidade eficaz no tratamento da LCI24,5,27,28,30.
Em relação à intervenção multidisciplinar, encontramos evidência da sua eficácia num total de sete guidelines 23,24,5,25,6,29,30 em oposição a apenas um artigo que dita a sua falta de evidência23.
A intervenção na actividade laboral é recomenda no tratamento da LCI unicamente por um artigo24.
No que diz respeito à acupunctura, esta é defendida por três artigos25,6,30, em comparação com dois artigos5,27 que a referem como técnica sem evidência para o tratamento da LCI, não contribuindo com conclusões firmes no âmbito do nosso estudo.
A técnica tracção mecânica é recomendada por uma guideline25 mas em contrapartida é referida por sete artigos em como não sendo uma técnica com eficácia no tratamento da LCI23,5,26-28,6,30.
A eletroterapia apresenta-se na maioria dos estudos analisados com evidência da sua ineficácia no tratamento da LCI. Assim, o TENS é referido por sete artigos23,5,25,26,28,6,30 como técnica sem evidência. As correntes interferênciais são mencionadas por quatro artigos5,25,6,30 como não se tratando de uma técnica com recomendação no tratamento da LCI. As ondas curtas são apontadas por três artigos como uma técnica ineficaz5,25,30. A estimulação eléctrica neuromuscular é referenciada como técnica não recomendada por apenas uma guideline28.
Em relação à terapia por laser, existem cinco guidelines5,25,26,6,30 que a definem como não eficaz no tratamento da LCI.
A terapia por ultra-som apresenta-se referida em sete guidelines23,5,25,26,28,6,30 como técnica com evidência de ineficácia no tratamento da LCI.
O biofeedback é mencionado por quatro guidelines5,26,28,30 como abordagem não recomendada no tratamento da LCI.
A termoterapia apresenta uma representação de ineficácia no tratamento da LCI em 2 artigos24,28.
O repouso é identificado em três artigos23,26,27 como técnica sem eficácia no tratamento da condição em estudo.
As ortóteses colchões rígidos e suportes lombares também apresentam evidência de ineficácia no tratamento do diagnóstico estudado, sendo que os primeiros são apontados por 2 artigos27,30 e os segundos por seis artigos23,5,25,27,6,30.
Na figura 1 encontra-se ilustrado um gráfico de análise dos resultados.


Fig 1 – Gráfico de análise dos resultados.

4.    Discussão

No verdadeiro arranque inicial do trabalho, o grupo sentiu alguma dificuldade na definição do diagnóstico a estabelecer. «Lombalgia crónica inespecífica» carateriza uma situação clínica demasiado abrangente, incluindo uma grande diversidade de factores como a natureza da patologia (articular, muscular, discal, etc); a personalidade do utente e a forma como lida com a doença, as estratégias de copping que usa ou a falta das mesmas.
Uma outra questão que teve também de ser trabalhada pelo grupo foi a diversidade de nomenclaturas encontradas para definir as diferentes técnicas de Fisioterapia descritas nos artigos estudados. Para que fosse possível uma maior uniformidade conceptual, o grupo elaborou uma lista de definição de técnicas de tratamento da Fisioterapia, baseada nas guidelines em estudo.
Já em relação aos resultados obtidos segundo a análise dos estudos incluídos, parece consensual que uma abordagem centrada em técnicas de Electroterapia (Ultra-som, Laser, Correntes Interferênciais, TENS, Ondas Curtas ou Estimulação Eléctrica Neuromuscular) assim como de Termoterapia, não apresenta evidência da sua eficácia e, por isso, não é recomendada pelos autores. Este facto contrasta francamente com aquela que é a prática habitual das clínicas de Medicina Física e Reabilitação no nosso país, especialmente naquelas onde o fisioterapeuta tem pouco tempo para cada utente e ainda em locais onde as técnicas são executadas por profissionais não fisioterapeutas.
É unânime que uma abordagem biopsicossocial, centrada no utente, onde este tem uma participação activa no tratamento, quer seja pela informação adquirida, quer pelo exercício, quer pela escolha conjunta com o fisioterapeuta da terapia mais adequada, é o ideal. No entanto, não existe um perfeito consenso em relação às técnicas a adoptar. O ensino, a terapia manual, o exercício, a intervenção multidisciplinar e a atividade física geral parecem ser aquelas que reúnem mais recomendações de aplicação.
Relativamente ao ensino, as várias guidelines apontam para as vantagens em fornecer informação acerca da patologia ao utente. Esta intervenção consiste num conjunto de informações educacionais que incluem aconselhamento e esclarecimento. Esta abordagem vai ao encontro daquilo que Butler31 defende como fundamento para a melhoria da dor através da informação. O que não é consensual é a utilização de programas educacionais com componente de exercício. Existem autores25 que defendem esta abordagem, enquanto outros30 argumentam que esta não é eficaz.
A terapia Manual, apesar de ser recomendada com muita frequência, também não constitui uma técnica consensual entre as guidelines analisadas. Acreditamos que o facto do conjunto dos estudos apresentar uma população heterogénea (considerando o diagnóstico de LCI demasiado abrangente) poderá influenciar os efeitos das investigações realizadas. Esta questão poderia ser resolvida através da realização de sub-grupos, nos quais os utentes com este diagnóstico fossem agrupados mediante as características específicas do seu quadro clínico. Esta abordagem tem vindo a ser defendida pelos autores em estudos recentes32,33 constituindo uma das novas linhas de investigação clínica para o tratamento da lombalgia1. Outro pormenor relativo à falta de consistência da terapia manual prende-se com o facto de se tratar de uma modalidade terapêutica que inclui variadas técnicas, exigindo skills de aplicação mais elevados e um maior tempo de dedicação ao utente por sessão.
No entanto, e apesar de todas estas problemáticas, a Terapia Manual é recomendada. Parece-nos assim fundamental o desenvolvimento de mais RCT’s com desenhos metodológicos adequados que venham contribuir para uma maior clarificação sobre a evidência desta modalidade terapêutica, considerando a implementação de subgrupos na selecção dos indivíduos a incluir no estudo.
A massagem, apesar de ser considerada uma técnica de terapia manual, é uma abordagem executada por diferentes profissionais. Tem sido estudada separadamente do «pacote» mobilização articular/ manipulação vertebral. A sua efetividade é controversa e, mais uma vez, esta falta de consistência releva que não estamos a estudar a mesma técnica (diversos tipos de massagem) na mesma condição clínica (vários subgrupos dentro da LCI).
O exercício é, sem dúvida, a abordagem terapêutica que reúne maior consenso. Todas as guidelines estudadas apontam para a necessidade dos utentes se manterem activos como forma de evitar recidivas e como forma de tratamento a longo prazo. Num curto prazo o exercício terapêutico individualizado apresenta-se como abordagem com evidência de eficácia. O que não é consensual é o tipo de exercício específico que deve ser implementado. Esta escolha é deixada ao critério do profissional, em função das características da situação clínica e das preferências do utente. Como alternativa de tratamento com melhor relação custo/benefício é recomendado o exercício terapêutico em grupo. Este poderá constituir uma solução após uma fase inicial de tratamento individualizado ou mesmo uma primeira opção, em casos de dor de baixa intensidade e incapacidade ligeira. Este tipo de exercício pode ser feito em meio aquático ou em ginásio e é constituído por exercícios específicos orientados por um fisioterapeuta experiente. Não são feitas recomendações precisas quanto ao tipo de exercícios, nem à sua frequência e duração. Apenas uma guideline6 sugere que sejam realizadas oito sessões durante doze semanas.
A intervenção multidisciplinar (médico, fisioterapeuta e psicólogo) é apontada como uma abordagem eficaz, mas que pelo seu custo, funciona apenas como recurso nos casos em que a intervenção monodisciplinar ou a prestação de serviços do conjunto médico-fisioterapeuta não foram eficazes. Em casos mais complexos, de maior incapacidade, nos quais claramente as atitudes e crenças face à dor sejam muito prejudiciais à evolução clínica, poderá constituir uma boa opção. Nestes casos, deve sempre combinar-se a terapêutica médica, o exercício e a intervenção do psicólogo.
O recurso à acupunctura como alternativa para o tratamento da LCI é controverso. Das dez guidelines analisadas três defendem esta prática enquanto duas não a recomendam como tratamento da LCI. Optou-se por analisar a evidência desta técnica pois na Inglaterra esta é uma modalidade amplamente praticada por Fisioterapeutas e em Portugal há uma tendência crescente nesse sentido.

Limitações
No desenvolvimento de um trabalho desta natureza, salientamos a possibilidade do risco de viés, embora tenhamos confiança de que a nossa estratégia de pesquisa, em várias bases de dados, tenha identificado todos os estudos relevantes.
Uma limitação que importa referir prende-se com os diferentes graus de classificação de força de evidência utilizados pelas diferentes Guidelines. Ao analisar as Guidelines incluídas e os graus de evidência apresentados para as diferentes técnicas, verificou-se a falta de homogeneidade desta classificação, existindo diferentes sistemas. Esta heterogeneidade impossibilitou que a análise realizada pudesse indicar de forma mais precisa a força de evidência das diferentes abordagens terapêuticas, optando-se por identificar apenas aquelas que possuíam ou não evidência.
Um potencial viés dos resultados pode também encontrar-se relacionado com a qualidade metodológica dos estudos incluídos.

5.    Conclusão

É recomendada uma abordagem bio-psico-social, centrada no utente, no qual este assume uma participação activa em todo o processo do seu tratamento.
É recomendada a partilha de informação com o utente, através do ensino e aconselhamento, fazendo com que este não mantenha crenças e comportamentos adversos, por forma a explorar mecanismos próprios de controlo da dor. Esta informação deve ainda contemplar o aconselhamento a «manter-se activo» e a saber como executar as suas tarefas da vida diária e actividade profissional de forma a evitar recidivas (prevenção secundária).
Em alguns casos poderá justificar-se uma avaliação e intervenção ergonómica no contexto do trabalho, como forma de controlo da dor e prevenção secundária.
No tratamento desta condição clínica, os Programas de Exercício Terapêutico Individualizado e/ou Terapia Manual, devem ser a primeira linha de recomendação. Estas abordagens deverão ser de curta duração e num reduzido número de sessões.
No seguimento dos Programas Individualizados, deverá ser recomendada a participação em Classes de Exercício Terapêutico, com um número máximo de dez pessoas por grupo e num período de tempo definido. Esta poderá constituir primeira opção nas situações em que a dor e incapacidade são reduzidas, dado o seu custo mais reduzido.
Para os casos em que Programas de Exercício e/ou Terapia Manual associados à medicação não tenham surtido efeito, os utentes deverão ser encaminhados para uma intervenção Multidisciplinar, onde deverão contar com, pelo menos, as Terapias Farmacológica, Física e Comportamental.
Como recomendação geral de curto, médio e longo prazo é importante alertar os utentes para a necessidade de se manterem ativos. Assim, após a realização da fisioterapia é aconselhado que os utentes mantenham uma atividade física geral como forma de dar continuidade à progressão do controlo da dor e principalmente como forma de prevenção secundária. A indicação para Repouso é muito veiculada mas é importante que os utentes compreendam que esta não é eficaz e que o Movimento e a Actividade são fulcrais o mais precocemente possível.
Segundo a análise dos artigos selecionados, concluiu-se que não está recomendado o recurso a técnicas de intervenção baseadas na Electroterapia; Termoterapia; Tração Mecânica, Biofeedback, Suportes Lombares, Colchões Rígidos ou Repouso.
Os achados deste estudo demonstram uma necessidade clara em realizar estudos clínicos controlados com aleatorização da amostra, bem desenhados, para examinar a efetividade da Fisioterapia no tratamento da LCI.
Na nossa perspetiva, o objetivo inicialmente definido foi apenas parcialmente atingido, dadas as limitações impostas por um trabalho desta natureza, relacionadas tanto com a validade interna, como externa dos estudos selecionados, bem como pelo número reduzido de artigos incluídos. No entanto, pretendíamos essencialmente documentar indicadores e orientações pertinentes, que sirvam o interesse de muitos profissionais de saúde, nomeadamente fisioterapeutas, que se dediquem ao estudo desta temática e procurem melhorar as suas competências, refletindo sobre o que fazem, como fazem e porque fazem.



6.    Bibliografia

1-       Balagué F., Mannion AF., Pellisé F., Cedraschi C. Non-specific low back pain. Lancet 2012; 379: 482–91.

2-      Andersson GBJ. Epidemiological features of chronic low-back pain. Lancet. 1999; 354 (9178): 581-585.

3-      Liddle SD, Baxter DG, Gracey JH.  Exercise and chronic low back pain: what works? Pain. 2004; 107: 176-190.

4-      Ijezelenrg W, Burdorf A. Patterns of care for Low Back pain in a Working Population. Spine. 2004; 29 (12):1362-1368.

5-      Airaksinen O, Brox J, Cedraschi C ,Hildebrandt J, Klaber-Moffett J, Kovacs F, et al. On behalf of the COST B13 Working Group on Guidelines for Chronic Low Back Pain. European guidelines for the management of chronic nonspecific low back pain. Eur spine J. 2006; 15(Suppl. 2): S192-S300.

6-     Savigny P, Kuntze S, Watson P, Underwood M, Ritchie G , Cotterell M, et al. Low Back Pain: early management of persistent non-specific low back pain. London: National Collaborating Centre for Primary Care and Royal College of General Practitioners. 2009; (223106).

7-      Azevedo LF, Pereira AC, Dias C, Agualusa L, Lemos L, Romão R et.al. Tradução, Adaptação Cultural e Estudo Multicêntrico de Validação de Instrumentos para Rastreio e Avaliação do Impacto da Dor Crónica. Dor. 2007; 15(4): 6-56.

8-      Waddel, G. The Back pain Revolution.  United Kingdom: Churchill Livingstone; 2004.

9-      Breivik H, Collett B, Ventafridda V, Cohen R, Gallacher D. Survey of chronic pain in Europe: Prevalence, impact on daily life, and treatment. European Journal of Pain 10. 2006, 287–333.

10-  Rabiais S, Nogueira P, Falcão J. A dor na população Portuguesa: alguns aspectos epidemiológicos. [Internet]. Lisboa: ONSA. Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge; 2003. [consultado 27 Fev 2012]. Disponível em: http://www.onsa.pt/conteu/proj_ecos_ecosdador_onsa.pdf.

11-  Ministério da Saúde. ISPA – Departamento de Epidemiologia. INE. Inquérito Nacional de Saúde 2005/2006. Lisboa: Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, Instituto Nacional de Estatística; 2009.

12-  PORTUGAL. Direcção-Geral da Saúde. Circular normativa nº 11/DSCS/DPCD. 18/06/2008. Programa Nacional de Controlo da Dor.

13-  Gouveia M, Augusto M. Custos indirectos da dor crónica em Portugal. Revista Portuguesa de Saúde Pública. 2011; 29 (2): 100-107.

14-  . Drilikova L, Hashim A, Al Fadhlis K, Anbais FH, Pospisil P, Konecny L, et al. Children with cerebral palsy after 6 months physiotherapy. Scripta Médica (BRNO), 2007; 580 (5), 219-224.

15-  . Kollen BJ, Lennon S, Lyons B, Wheatley-Smith L, Scheper M, Buurke JH et al. The effectiveness of the Bobath concept in stroke rehabilitation: what is the evidence? Stroke; 2009; 40 (4), 89-97.

16-  Becker A, Chenot JF, Niebling W, Kochen M. Guidelines for back pain. Z Orthop Ihre Grenzgeb 2004; 142 (6):716-9.

17-  . Reis S, Lahad A. Clinical guidelines for diagnosis and treatment of chronic low back pain. Harefuah. 2008; 147 (8-9):735-8, 748.

18-  Lærum E, Brox J, Storheim K. New clinical guidelines for low back pain. Tidsskr Nor Laegeforen. 2007; 18;127(20):2706.

19-  Manchikanti L, Boswell M, Singh V, Benyamin R, Fellows B, Abdi S, et al. Comprehensive Evidence-Based Guidelines for Interventional Techniques in the Management of Chronic Spinal Pain. Pain Physician 2009; (12): 699-802.

20-  Thorson D, Bonsell J, Hecht S, Mueller B, Campbell R, Goertz M, et al.  Health Care Guideline: Adult Low Back Pain. Institute for Clinical Systems Improvement 2008.

21-  Seffinger M, Buser B, Licciardone J, Lipton J, Lynch J, Troutman, M. American Osteopathic Association Guidelines for Osteopathic Manipulative Treatment (OMT) for Patients With Low Back Pain. JAOA special communication 2010; 110 (11): 653-666.

22-  Airaksinen O, Brox J, Cedraschi C ,Hildebrandt J, Klaber-Moffett J, Kovacs F, et al. On behalf of the COST B13 Working Group on Guidelines for Chronic Low Back Pain. European guidelines for the management of chronic nonspecific low back pain. Eur spine J. 2004.

23-  Rossignol M, Arsenault B, Dionne C, Tousignant M, Truchon M, Allard P. A Clinic on Low Back Pain in interdisciplinary Pratice (CLIP) guidelines. Montréal: Direction de santé publique, Agence de la santé et des services sociaux de Montréal. 2007.

24-  Negrini S, Giovannoni S, Minnozi S, Barneschi G, Bonaiuti D, Bussotti A, et al. Diagnostic Theraputic flow-charts for low back pain patients: the Italian clinical guidelines. Europa Medicophysica 2006; 42 (2):151-70.

25-  Roger Chou MD e Laurie Hoyt Huffman MS. Non Pharmacologic Therapies for Acute and Chronic Low Back Pain: A Review of the evidence for an American Pain Society/American College of Physicians Clinical Practice Guideline. Annals of Internal Medicine. 2007; 147 (7):492-504.

26-  Bekkering GE, Hendriks HJM,  Koes BW, Oostendorp RAB, Ostelo RWJG, Thomasse JMC et al. Guideline Manual Therapy on low back Pain. Royal Dutch Association of Physical Therapy. 2003. 13:1-35.

27-  Marques E, Kovacs F, Real Mª, Alonso P, Urrutia G. La versión espanhola de la Guía COST B13: una guia de práctica clínica para la lumbalgia inespecífica basada en la evidencia científica. Dolor. 2008; 23: 7-17.

28-  Albright J., Allman R., Bonfiglio RP, Conill A., Dobkin B., Guccione AA. Et al. Philadelphia Panel Evidence-Based Clinical Practice Guidelines on Selected Rehabilitation Interventions for Low Back Pain. Philadelphia Panel. Physical Therapy. 2001. 81(10):1641-1674.

29-  Roger Chou, John D. Loeser, Douglas K. Owens, Richard W. Rosenquist, Steven J. Atlas, Jamie Baisden, et al. Low Back Pain Guideline Panel Interventional Therapies, Surgery, and Interdisciplinary Rehabilitation for Low Back Pain - An Evidence-Based Clinical Practice Guideline From the American Pain Society. Spine. 2009; 34(10):1066-1077.

30 -  Roger Chou; Amir Qaseem; Vincenza Snow; Donald Casey, MD; J. Thomas Cross Jr et al.  Diagnosis and Treatment of Low Back Pain: A Joint Clinical Practice Guideline from the American College of Physicians and the American Pain society. Ann Intern Med. 2007; 147:478-491.


Sem comentários:

Com tecnologia do Blogger.