Evidência das técnicas da Fisioterapia no tratamento da lombalgia crónica inespecífica – Revisão de Guidelines
Leia este artigo no novo blog da Physioclem +Saudável: https://www.physioclem.pt/pt/saudavel/evidencia-das-tecnicas-da-fisioterapia-no-tratamento-da-lombalgia-cronica-inespecifica--revisao-de-guidelines
Resumo
Introdução: A Lombalgia é o sintoma mais comum tratado pelo Fisioterapeuta, existindo
centenas de estudos controlados aleatorizados que se dedicam a esta temática.
Para compilar toda essa informação, pesquisadores desenvolveram guias de
prática clínica com base na evidência (PBE) com o objectivo de orientar os
profissionais e estabelecer uma abordagem universal para a intervenção deste
diagnóstico.
Objectivos: Analisar a evidência disponível sobre a Efectividade das técnicas de Fisioterapia no tratamento da dor lombar crónica inespecífica.
Metodologia: A pesquisa foi realizada nas seguintes bases de dados; Medline, PEDro, Cochrane, Science Direct, B-on e Google Académico, tendo como critérios de inclusão: Guidelines mono ou multidisciplinares, com recomendações para a lombalgia inespecífica crónica e tratamento conservador (não invasivo e não farmacológico). Estes critérios abrangem guidelines datadas de 2001 a 2011, nas línguas portuguesa, inglesa ou espanhola, relacionadas com a temática em estudo e os resultados obtidos, que averigúem a eficácia das técnicas de Fisioterapia no tratamento desta condição clínica.
Resultados: De um total de 17 artigos, inicialmente obtidos, foram excluídos sete, por não preencherem os critérios de inclusão. Dos restantes dez artigos foram analisadas quais as técnicas defendidas como eficazes e quais aquelas que não reúnem evidência que permita a sua recomendação.
Conclusões: Técnicas centradas na Electroterapia, Termoterapia ou Repouso são apontadas como ineficazes, sendo recomendável basear a intervenção em técnicas como o Exercício, Terapia manual e Ensino ao utente, assim como através de uma abordagem multidisciplinar.
Objectivos: Analisar a evidência disponível sobre a Efectividade das técnicas de Fisioterapia no tratamento da dor lombar crónica inespecífica.
Metodologia: A pesquisa foi realizada nas seguintes bases de dados; Medline, PEDro, Cochrane, Science Direct, B-on e Google Académico, tendo como critérios de inclusão: Guidelines mono ou multidisciplinares, com recomendações para a lombalgia inespecífica crónica e tratamento conservador (não invasivo e não farmacológico). Estes critérios abrangem guidelines datadas de 2001 a 2011, nas línguas portuguesa, inglesa ou espanhola, relacionadas com a temática em estudo e os resultados obtidos, que averigúem a eficácia das técnicas de Fisioterapia no tratamento desta condição clínica.
Resultados: De um total de 17 artigos, inicialmente obtidos, foram excluídos sete, por não preencherem os critérios de inclusão. Dos restantes dez artigos foram analisadas quais as técnicas defendidas como eficazes e quais aquelas que não reúnem evidência que permita a sua recomendação.
Conclusões: Técnicas centradas na Electroterapia, Termoterapia ou Repouso são apontadas como ineficazes, sendo recomendável basear a intervenção em técnicas como o Exercício, Terapia manual e Ensino ao utente, assim como através de uma abordagem multidisciplinar.
Palavras-chave: Lombalgia Crónica Inespecífica, Guidelines, Tratamento, Fisioterapia,
Prática baseada na Evidência
Abstract
Introduction: Low back pain is the most common symptom treated by physiotherapist and there are hundreds of randomized controlled studies dedicated to this
theme. To compile all information,
guidelines to clinical practice based on evidence (PBE) were developed by
researchers to guide professionals and establish a universal approach of
intervention on low back pain. Objectives: Review and analyze available evidence of Physiotherapy techniques
effectiveness in chronic nonspecific low back pain treatment.
Methods:
Data from Medline, PEDro, Cochrane, Science Direct, B-on and Academic Google were
selected using inclusion criteria: mono or
multidisciplinary guidelines with recommendations for
chronic nonspecific low back pain and conservative treatment (non-invasive and
non-pharmacological). Inclusion criteria include guidelines
from 2001 to 2011 dated in portuguese, english or spanish related to the theme
under study and obtained achievements establishing Physiotherapy techniques
effectiveness in the treatment of this clinical condition. Results: In the initial search 17 articles were obtained but 7
didn’t satisfy the inclusion criteria being excluded. The 10 remaining articles
were analyzed selecting the effective techniques advocated and those who do not
provide evidence to permit recommendation.Conclusions:
Electrotherapy, heat therapy techniques or rest are pointed as non-effective.
Nevertheless, intervention techniques based in exercise, manual therapy and
patient education/instruction are recommended as well as a multidisciplinary
approach.
Key words: Chronic nonspecific low back pain; guidelines; treatment; physiotherapy, Evidence based practice.
1.
Introdução
Na Europa, a dor
lombar é um motivo frequente para a utilização de cuidados de saúde, em
particular consultas de medicina geral e familiar, ortopedia, e cuidados de
fisioterapia, tornando-se um dos maiores problemas para os sistemas de saúde
pública no mundo ocidental durante a segunda metade do século vinte1.
Cerca de 70 a 85% dos indivíduos experimentam ao
longo da sua vida algum episódio de dor lombar, destes, 80 a 90% recuperam
dentro de um período de seis semanas, independentemente do recurso a tratamento2.
Contudo, verifica-se que cerca de 5 a 15% destes utentes desenvolve dor lombar
crónica, a qual implica uma abordagem mais complexa3. A literatura
refere igualmente que os utentes que mais recorrem aos serviços de saúde devido
a dor lombar são aqueles que referem dor mais intensa, dor crónica ou maiores
limitações funcionais, sendo também neste grupo que se regista maior absentismo
laboral4.
A lombalgia inespecífica representa cerca de 90%
dos pacientes com dor lombar5, sendo por isto alvo de enfoque neste trabalho. A lombalgia
inespecífica refere-se assim à dor lombar que não possui uma causa física
particular, tal como a compressão de uma raiz nervosa, trauma, osteoporose,
infecção, presença de tumor, síndrome da cauda equina, espondilite anquilosante
ou outras desordens inflamatórias5,6. Este quadro clínico pode envolver dor, tensão e/ou rigidez na região
lombar, a qual pode estender-se desde a região inferior da caixa torácica até
às pregas glúteas e coxas, não sendo identificada uma causa concreta para a
dor. Desta forma, várias estruturas na coluna, tais como articulações, discos ou
tecido conjuntivo, podem contribuir para estes sintomas6.
A dor crónica deve ser encarada como uma
experiência multidimensional desagradável, envolvendo não só um componente
sensorial mas também um componente emocional, e que se associa a uma lesão
tecidular concreta ou potencial, ou é descrita em função dessa lesão. Deste
modo, o doente com dor deve ser abordado de acordo com o modelo
biopsicossocial, em que terão que ser tidos em conta não apenas os aspectos
sensoriais da dor (localização, intensidade, duração, etc.), como também as
implicações psicológicas, sociais e até culturais, associadas à patologia
dolorosa7.
A prevalência da lombalgia é conhecida em vários países e há estudos que
demonstram uma tendência para aumentar8.
Em 2008, foi
conduzido um estudo em grande escala para explorar a prevalência, severidade,
tratamento e impacto da dor crónica na Europa (15 países, Portugal não
incluído). Os autores verificaram que 19% dos adultos Europeus sofrem de dor
crónica de intensidade moderada a severa, afectando seriamente a sua qualidade
de vida, relações sociais e trabalho. Muito poucos recebiam tratamento
especializado e praticamente metade dos doentes recebiam tratamento inadequado.
Destes, metade referiam a dor nas costas. Os autores concluíram que apesar de
existirem algumas diferenças entre os países onde foram realizadas as
entrevistas, a dor crónica é um problema grave de saúde na Europa e deve ser
abordado seriamente9.
Em Portugal, a
prevalência de dor foi estudada em 2002, pelo Observatório Nacional de Saúde do
Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, com vista a melhorar o
conhecimento sobre a frequência, a distribuição e algumas consequências das
principais formas de dor na população portuguesa. 73,7% dos inquiridos manifestou
a ocorrência de dor nos sete dias que antecederam a entrevista, sendo que
destes 51,3% referiu que a dor se localizava nas costas10 .
Em 2005/2006
foi realizado o Quarto Inquérito Nacional de Saúde, pelo Instituto Nacional de
Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA), em parceria com o Instituto Nacional de
Estatística (INE), apresentando resultados que evidenciam que numa amostra de 10
549 424 residentes, 1 685 501 apresentam dor crónica, resultando numa taxa de
prevalência 16% deste sintoma11.
Considerando a
dor como uma prioridade no âmbito da prestação de cuidados de saúde, a Direção
Geral de Saúde desenvolveu um Programa Nacional de Controlo da Dor12.
Recentemente Miguel Gouveia veio apresentar os custos indiretos da dor crónica
lombar e nas articulações em Portugal, baseando-se nos dados do 4º Inquérito
Nacional de Saúde de 2005/2006. Estes custos ascendem os €738,85 milhões, sendo
€280,95 milhões devidos ao absentismo gerado pela incapacidade de curto prazo e
€458,90 milhões devidos à redução do volume de emprego por reformas antecipadas
e outras formas de não participação no mercado de trabalho. A estes valores
acrescenta a taxa de presentismo (redução da produtividade enquanto presente no
local de trabalho) não considerado neste estudo13.
Com base na
elevada incidência atual dos quadros álgicos lombares, com ou sem irradiação
para os membros inferiores, tem-se verificado um crescente número de
investigação acerca deste tema, de forma a prevenir o seu aparecimento,
tratá-lo de forma mais efetiva e reduzir os custos de saúde diretos e indiretos.
A fisioterapia apresenta-se
como uma intervenção de primeira linha no tratamento desta condição6,
seja por indicação médica ou por acesso direto, sobretudo nos casos agudos que
não melhoram com a terapêutica farmacológica, nos recorrentes e nos crónicos.
6% da População Europeia recorre ao fisioterapeuta para tratamento de dor crónica9. São
múltiplos os estudos dedicados à investigação da efetividade das diferentes
abordagens e técnicas usadas pelo Fisioterapeuta no tratamento e reabilitação do
paciente com dor lombar crónica inespecífica. Contudo, os resultados são controversos, não permitindo inferir
de forma segura a sua efetividade. Esta situação prende-se com a falta de
rigor das metodologias usadas nos estudos disponíveis. As limitações dos
estudos mais referidas prendem-se essencialmente com a heterogeneidade e o
número reduzido das amostras seleccionadas, a falta critérios uniformes na
medição dos resultados, a falta de sensibilidade dos instrumentos de medida
utilizados, e os diferentes níveis de especialização dos fisioterapeutas que
aplicam estas abordagens terapêuticas14.
Perante este quadro de
evidência controversa, os fisioterapeutas têm dificuldade em selecionar a
melhor estratégia de intervenção. As linhas orientadoras (guidelines) baseadas na melhor evidência científica (revisões
sistemáticas com meta-análise), em vez das preferências pessoais, deveriam ser
o quadro referencial em que os fisioterapeutas se baseiam para escolher o
tratamento mais efetivo15.
Este trabalho
tem como objetivo analisar a evidência disponível com base em guidelines, sobre a Efetividade da Fisioterapia
em pacientes com lombalgia crónica inespecífica (LCI), procurando uma resposta
para a questão:
Qual a efetividade da Fisioterapia
no tratamento de pacientes com lombalgia crónica inespecífica?
2. Metodologia
Critérios de Selecção
Tipos de estudos
No âmbito do presente trabalho, apenas foram selecionadas Practice Guidelines publicadas, com recomendações
para o tratamento conservador não invasivo e não farmacológico.
Tipo de Intervenção
Para o tipo de intervenção
foram escolhidos estudos que refiram o uso de técnicas da Fisioterapia no
tratamento de pacientes com LCI. Nesta revisão, incluímos todos os estudos de
avaliação da efetividade da Fisioterapia que descrevam de forma clara o
tratamento.
Período de Recuo na Publicação
Este trabalho apenas inclui
artigos publicados entre os anos 2001 e 2011 (inclusive).
Idioma da Publicação
Os idiomas escolhidos foram o
Português, o Inglês e o Espanhol por serem os dominados pelos autores.
Métodos de pesquisa para
identificação dos estudos
As bases de dados
científicas escolhidas tiveram em conta o facto de apresentarem uma plataforma
que permitisse a pesquisa online,
sendo utilizadas: a PEDro (Physiotherapy
Evidence Database), a CENTRAL (Cochrane
Central Register of Controlled Trials), a MEDLINE (Medical Literature Analysis and
Retrieval System Online), a B-on (Biblioteca do
Conhecimento Online), a Science Direct e o Google Académico. Foram selecionadas estas seis
bases de dados uma vez que a primeira é específica em Fisioterapia e as
restantes pelo facto de serem bastante abrangentes e generalistas, possuindo
uma vasta gama de artigos.
As palavras-chave de pesquisa seleccionadas foram “chronic low back pain”
AND “guidelines” AND “treatment”. AND
“physiotherapy OR physical therapy” AND “Evidence
Based Practice”.
Seleção dos estudos
As Practice Guidelines foram
identificadas através de uma pesquisa eletrónica nas bases de dados referidas,
por oito revisores independentes, de forma cega padronizada, obedecendo ao
protocolo delineado, no período de Janeiro a Fevereiro de 2012. Numa fase
inicial, foram obtidos um total de 17 artigos (Practice Guidelines).
Destes foram excluídos sete artigos: três por não apresentarem os idiomas previamente
estabelecidos nos critérios de inclusão16,17,18; um por ser
monodisciplinar, referindo técnicas essencialmente médicas e invasivas que não
constituíam interesse para o nosso estudo19; um por ser publicado por
um indivíduo ou grupo de indivíduos, sem o patrocínio ou apoio oficial de uma
entidade20; um por apresentar uma bibliografia baseada em RCT’s e
meta-análises muito antigas21 e o
último por se tratar de um artigo de 2004 que sofreu uma atualização em 2006,
incluindo-se assim apenas a atualização mais recente22. Para a
realização deste processo, foram utilizados os critérios PEDro para a inclusão
ou exclusão de uma Evidence Practice
Guideline.
Foram assim incluídas para
análise nesta revisão 10 Practice Guidelines.
Extração de Dados Recolhidos
A informação selecionada de cada Practice
Guideline incluiu (1) as
caraterísticas das guidelines (país,
ano, autores), (2) o tipo de intervenção terapêutica, (3) o tipo de evidência (técnicas com evidência de eficácia, técnicas sem eficácia ou evidência de ineficácia)
e (4) recomendações.
3. Resultados
Como forma de análise dos artigos
selecionados, os autores optaram por rever quais as técnicas de fisioterapia
com evidência de eficácia e, desta forma, recomendáveis no tratamento da LCI. Por outro lado, aquelas que não apresentavam evidência da sua efetividade ou
apresentavam evidência de ineficácia, sendo consequentemente não recomendadas
pelos autores das guidelines.
O ensino ao utente apresenta-se como técnica eficaz no tratamento da LCI,
mencionada em seis guidelines23,24,5,25-27.
Relativamente ao programa educacional
com exercício, este é defendido apenas por uma guideline25 e referenciada como técnica sem evidência de
eficácia noutra guideline30, constituindo uma informação
controversa.
A terapia manual tem uma representação de eficácia de cinco guidelines24,5,25,6,29, em
comparação com duas guidelines 23,27, que argumentam que esta técnica não é recomendável por não apresentar
suficiente evidência de eficácia.
A massagem não apresenta resultados significativos para o nosso
estudo, uma vez que se encontra apontada como técnica eficaz no tratamento da
LCI por 4 guidelines23,24,25,30
e citada por outras quatro como técnica sem evidência no tratamento desta condição
clínica5,26-28. O exercício terapêutico
individual é referenciado no total das dez guidelines analisadas como uma técnica com eficácia no tratamento
da condição clínica em estudo.
O exercício terapêutico em grupo é defendido por quatro guidelines como sendo eficaz no
tratamento da LCI5,25,26,6. Por seu lado, a atividade física geral apresenta-se citada por cinco guidelines como modalidade eficaz no
tratamento da LCI24,5,27,28,30.
Em relação à intervenção multidisciplinar, encontramos
evidência da sua eficácia num total de sete guidelines
23,24,5,25,6,29,30 em oposição a apenas um artigo que dita a sua
falta de evidência23.
A intervenção na actividade laboral é recomenda no tratamento da LCI
unicamente por um artigo24.
No que diz respeito à acupunctura, esta é defendida por três artigos25,6,30, em comparação com dois artigos5,27 que a
referem como técnica sem evidência para o tratamento da LCI, não contribuindo
com conclusões firmes no âmbito do nosso estudo.
A técnica tracção mecânica é recomendada por uma guideline25 mas em
contrapartida é referida por sete artigos em como não sendo uma técnica com
eficácia no tratamento da LCI23,5,26-28,6,30.
A eletroterapia apresenta-se na maioria dos estudos analisados com
evidência da sua ineficácia no tratamento da LCI. Assim, o TENS é referido por sete artigos23,5,25,26,28,6,30 como
técnica sem evidência. As correntes interferênciais
são mencionadas por quatro artigos5,25,6,30 como não se tratando de uma
técnica com recomendação no tratamento da LCI. As ondas curtas são apontadas por três artigos como uma técnica ineficaz5,25,30.
A estimulação eléctrica neuromuscular
é referenciada como técnica não recomendada por apenas uma guideline28.
Em relação à terapia por laser, existem cinco guidelines5,25,26,6,30 que a definem como não eficaz no
tratamento da LCI.
A terapia por ultra-som apresenta-se referida em sete guidelines23,5,25,26,28,6,30 como
técnica com evidência de ineficácia no tratamento da LCI.
O biofeedback é mencionado por quatro guidelines5,26,28,30
como abordagem não recomendada no tratamento da LCI.
A termoterapia apresenta uma representação de ineficácia no
tratamento da LCI em 2 artigos24,28.
O repouso é identificado em três artigos23,26,27 como técnica
sem eficácia no tratamento da condição em estudo.
As ortóteses colchões rígidos e suportes lombares também apresentam evidência de ineficácia no
tratamento do diagnóstico estudado, sendo que os primeiros são apontados por 2
artigos27,30 e os segundos por seis artigos23,5,25,27,6,30.
Na figura 1 encontra-se
ilustrado um gráfico de análise dos resultados.
Fig 1 – Gráfico de análise dos
resultados.
4. Discussão
No verdadeiro arranque
inicial do trabalho, o grupo sentiu alguma dificuldade na definição do
diagnóstico a estabelecer. «Lombalgia crónica inespecífica» carateriza uma
situação clínica demasiado abrangente, incluindo uma grande diversidade de
factores como a natureza da patologia (articular, muscular, discal, etc); a
personalidade do utente e a forma como lida com a doença, as estratégias de copping que usa ou a falta das mesmas.
Uma outra questão que teve
também de ser trabalhada pelo grupo foi a diversidade de nomenclaturas
encontradas para definir as diferentes técnicas de Fisioterapia descritas nos
artigos estudados. Para que fosse possível uma maior uniformidade conceptual, o
grupo elaborou uma lista de definição de técnicas de tratamento da Fisioterapia,
baseada nas guidelines em estudo.
Já em relação aos resultados
obtidos segundo a análise dos estudos incluídos, parece consensual que uma
abordagem centrada em técnicas de Electroterapia (Ultra-som, Laser, Correntes Interferênciais, TENS, Ondas Curtas ou Estimulação Eléctrica Neuromuscular) assim como de Termoterapia,
não apresenta evidência da sua eficácia e, por isso, não é recomendada pelos
autores. Este facto contrasta francamente com aquela que é a prática habitual
das clínicas de Medicina Física e Reabilitação no nosso país, especialmente naquelas
onde o fisioterapeuta tem pouco tempo para cada utente e ainda em locais onde
as técnicas são executadas por profissionais não fisioterapeutas.
É unânime que uma abordagem biopsicossocial,
centrada no utente, onde este tem uma participação activa no tratamento, quer
seja pela informação adquirida, quer pelo exercício, quer pela escolha conjunta
com o fisioterapeuta da terapia mais adequada, é o ideal. No entanto, não existe
um perfeito consenso em relação às técnicas a adoptar. O ensino, a terapia manual,
o exercício, a intervenção multidisciplinar e a atividade física geral parecem
ser aquelas que reúnem mais recomendações de aplicação.
Relativamente ao ensino, as várias guidelines apontam para as vantagens em fornecer informação acerca
da patologia ao utente. Esta intervenção consiste num
conjunto de informações educacionais que incluem aconselhamento e
esclarecimento. Esta abordagem vai ao encontro daquilo que Butler31
defende como fundamento para a melhoria da dor através da informação. O que não
é consensual é a utilização de programas
educacionais com componente de exercício. Existem autores25
que defendem
esta abordagem, enquanto outros30 argumentam que esta não é eficaz.
A terapia Manual, apesar de ser
recomendada com muita frequência, também não constitui uma técnica consensual
entre as guidelines analisadas.
Acreditamos que o facto do conjunto dos estudos apresentar uma população
heterogénea (considerando o diagnóstico de LCI demasiado abrangente) poderá influenciar
os efeitos das investigações realizadas. Esta questão poderia ser resolvida
através da realização de sub-grupos, nos quais os utentes com este diagnóstico
fossem agrupados mediante as características específicas do seu quadro clínico.
Esta abordagem tem vindo a ser defendida pelos autores em estudos recentes32,33
constituindo uma das novas linhas de investigação clínica para o tratamento da lombalgia1.
Outro pormenor relativo à falta de consistência da terapia manual prende-se com
o facto de se tratar de uma modalidade terapêutica que inclui variadas técnicas,
exigindo skills de aplicação mais
elevados e um maior tempo de dedicação ao utente por sessão.
No entanto, e
apesar de todas estas problemáticas, a Terapia Manual é recomendada. Parece-nos
assim fundamental o desenvolvimento de mais RCT’s com desenhos metodológicos
adequados que venham contribuir para uma maior clarificação sobre a evidência
desta modalidade terapêutica, considerando a implementação de subgrupos na selecção
dos indivíduos a incluir no estudo.
A massagem, apesar de ser considerada uma
técnica de terapia manual, é uma abordagem executada por diferentes
profissionais. Tem sido estudada separadamente do «pacote»
mobilização articular/ manipulação vertebral. A sua efetividade é controversa
e, mais uma vez, esta falta de consistência releva que não estamos a estudar a
mesma técnica (diversos tipos de massagem) na mesma condição clínica (vários subgrupos
dentro da LCI).
O exercício é, sem dúvida, a abordagem terapêutica que reúne maior
consenso. Todas as guidelines
estudadas apontam para a necessidade dos utentes se manterem activos como forma
de evitar recidivas e como forma de tratamento a longo prazo. Num curto prazo o
exercício terapêutico individualizado
apresenta-se como abordagem com evidência de eficácia. O que não é consensual é
o tipo de exercício específico que deve ser implementado. Esta escolha é
deixada ao critério do profissional, em função das características da situação
clínica e das preferências do utente. Como alternativa de tratamento com melhor
relação custo/benefício é recomendado o exercício
terapêutico em grupo. Este poderá constituir uma solução após uma fase
inicial de tratamento individualizado ou mesmo uma primeira opção, em casos de
dor de baixa intensidade e incapacidade ligeira. Este tipo de exercício pode
ser feito em meio aquático ou em ginásio e é constituído por exercícios
específicos orientados por um fisioterapeuta experiente. Não são feitas
recomendações precisas quanto ao tipo de exercícios, nem à sua frequência e
duração. Apenas uma guideline6
sugere que sejam realizadas oito sessões durante doze semanas.
A intervenção multidisciplinar (médico, fisioterapeuta e psicólogo) é
apontada como uma abordagem eficaz, mas que pelo seu custo, funciona apenas
como recurso nos casos em que a intervenção monodisciplinar ou a prestação de
serviços do conjunto médico-fisioterapeuta não foram eficazes. Em casos mais
complexos, de maior incapacidade, nos quais claramente as atitudes e crenças face à
dor sejam muito prejudiciais à evolução clínica, poderá constituir uma boa
opção. Nestes casos, deve sempre combinar-se a terapêutica médica, o exercício e
a intervenção do psicólogo.
O recurso à acupunctura como alternativa para o
tratamento da LCI é controverso. Das dez guidelines
analisadas três defendem esta prática enquanto duas não a recomendam como
tratamento da LCI. Optou-se por analisar a evidência desta técnica pois na
Inglaterra esta é uma modalidade amplamente praticada por Fisioterapeutas e em
Portugal há uma tendência crescente nesse sentido.
Limitações
No
desenvolvimento de um trabalho desta natureza, salientamos a possibilidade do
risco de viés, embora tenhamos confiança de que a nossa estratégia de pesquisa,
em várias bases de dados, tenha identificado todos os estudos relevantes.
Uma limitação
que importa referir prende-se com os diferentes graus de classificação de força
de evidência utilizados pelas diferentes Guidelines.
Ao analisar as Guidelines incluídas e
os graus de evidência apresentados para as diferentes técnicas, verificou-se a
falta de homogeneidade desta classificação, existindo diferentes sistemas. Esta
heterogeneidade impossibilitou que a análise realizada pudesse indicar de forma
mais precisa a força de evidência das diferentes abordagens terapêuticas,
optando-se por identificar apenas aquelas que possuíam ou não evidência.
Um potencial
viés dos resultados pode também encontrar-se relacionado com a qualidade metodológica
dos estudos incluídos.
5. Conclusão
É recomendada uma abordagem bio-psico-social, centrada no utente, no qual este assume uma participação activa em todo o processo do seu tratamento.
É recomendada a partilha de informação com o utente, através do ensino e
aconselhamento, fazendo com que este não mantenha crenças e comportamentos
adversos, por forma a explorar mecanismos próprios de controlo da dor. Esta
informação deve ainda contemplar o aconselhamento a «manter-se activo» e a
saber como executar as suas tarefas da vida diária e actividade profissional de
forma a evitar recidivas (prevenção secundária).
Em alguns casos poderá justificar-se uma avaliação e intervenção
ergonómica no contexto do trabalho, como forma de controlo da dor e prevenção
secundária.
No tratamento desta condição clínica, os Programas de Exercício
Terapêutico Individualizado e/ou Terapia Manual, devem ser a primeira linha de
recomendação. Estas abordagens deverão ser de curta duração e num reduzido
número de sessões.
No seguimento dos Programas Individualizados, deverá ser recomendada a participação
em Classes de Exercício Terapêutico, com um número máximo de dez pessoas por
grupo e num período de tempo definido. Esta poderá constituir primeira opção
nas situações em que a dor e incapacidade são reduzidas, dado o seu custo mais
reduzido.
Para os casos em que Programas de Exercício e/ou Terapia Manual associados
à medicação não tenham surtido efeito, os utentes deverão ser encaminhados para
uma intervenção Multidisciplinar, onde deverão contar com, pelo menos, as
Terapias Farmacológica, Física e Comportamental.
Como recomendação geral de curto, médio e longo prazo é importante alertar
os utentes para a necessidade de se manterem ativos. Assim, após a realização da
fisioterapia é aconselhado que os utentes mantenham uma atividade física geral
como forma de dar continuidade à progressão do controlo da dor e principalmente
como forma de prevenção secundária. A indicação para Repouso é muito veiculada
mas é importante que os utentes compreendam que esta não é eficaz e que o
Movimento e a Actividade são fulcrais o mais precocemente possível.
Segundo a análise dos artigos selecionados, concluiu-se que não está
recomendado o recurso a técnicas de intervenção baseadas na Electroterapia;
Termoterapia; Tração Mecânica, Biofeedback, Suportes Lombares, Colchões Rígidos
ou Repouso.
Os achados deste estudo demonstram uma necessidade clara em realizar
estudos clínicos controlados com aleatorização da amostra, bem desenhados, para
examinar a efetividade da Fisioterapia no tratamento da LCI.
Na nossa
perspetiva, o objetivo inicialmente definido foi apenas parcialmente
atingido, dadas as limitações impostas por um trabalho desta natureza,
relacionadas tanto com a validade interna, como externa dos estudos
selecionados, bem como pelo número reduzido de artigos incluídos. No entanto, pretendíamos
essencialmente documentar indicadores e orientações pertinentes, que sirvam o interesse de muitos
profissionais de saúde, nomeadamente fisioterapeutas, que se dediquem ao estudo
desta temática e procurem melhorar as suas competências, refletindo sobre o
que fazem, como fazem e porque fazem.
Sem comentários: