A importância da Fisioterapia na abordagem pós cirúrgica de Cancro de mama





Nos últimos anos, têm sido realizados importantes avanços na deteção precoce e no tratamento do cancro da mama. No entanto, em relação aos casos diagnosticados anualmente, os tratamentos primários para esta doença (cirurgia, radioterapia e quimioterapia) continuam a causar uma taxa de morbilidade significativa em cerca de três milhões de mulheres e homens em todo o mundo. 
Além do impacto psicossocial profundo, associado a um diagnóstico de cancro da mama, podem ainda ocorrer uma série de problemas/complicações físicas na sequência dos tratamentos realizados para salvar ou prolongar a vida das pessoas afetadas. Estes incluem alterações da mobilidade e força do membro superior homolateral, linfedema da mama e/ou membro superior homolateral, dor, fadiga, neuropatia periférica induzida pela quimioterapia, cardiotoxicidade, redução dos níveis de atividade física e da qualidade de vida do utente (Harris et al, 2012).
Tendo em vista não só a recuperação do cancro, mas também a reabilitação global no âmbito físico, a fisioterapia desempenha um papel fundamental nesta nova etapa da vida da mulher operada. Apresenta um conjunto de possibilidades terapêuticas físicas passíveis de intervir desde a mais precoce recuperação funcional até à profilaxia das sequelas. Ajuda a diminuir o tempo de recuperação, permitindo um retorno mais rápido às atividades quotidianas, ocupacionais e desportivas, colaborando na reintegração à sociedade. De igual modo, permite restabelecer a amplitude de movimentos afetados, força muscular, melhoria da postura, coordenação, auto-estima e, principalmente, minimizar as possíveis complicações pós-operatórias que possam ocorrer, aumentando a qualidade de vida (Silva et al, 2004 cit in Jammal et al, 2008).

Reabilitação do Membro Superior
A fisioterapia pós-operatória deve começar no primeiro dia após a cirurgia ou logo que possível com o objetivo de gradualmente restabelecer a amplitude de movimento e a força muscular do membro superior e cintura escapular homolateral, prevenir aderências e restabelecer a mobilidade da pele e tecidos. Para tal, segundo Harris et al (2012),
- Após a 1ª semana de pós-operatório ou quando o dreno é removido a mulher deve iniciar um plano específico de exercícios ativos;
- Assim que sejam retirados os pontos e haja boa cicatrização iniciar o tratamento da cicatriz e tecidos moles envolventes. As mulheres devem ser instruídas acerca da massagem do tecido cicatricial;
- Dentro de 4 a 6 semanas pós cirurgia deve-se iniciar fortalecimento muscular com cargas leves (0,5Kg);
- Ensino sobre cuidados a ter relativamente a questões de higiene, evitar traumatismos e infeções, vacinações e perfusões no membro afetado; 
- Modalidades de Eletroterapia (como por exemplo tratamento com laser, estimulação elétrica, micro-ondas, ultra-som e termoterapia) não são recomendadas neste momento devido a insuficiência de evidência científica para apoiar a sua utilização, Existem mesmo várias publicações com precauções e contra-indicações para o seu uso em pessoas com neoplasias.
No entanto, o ganho de amplitude e força muscular deve respeitar todas as indicações médicas em caso de reconstrução mamária no momento da cirurgia.

Tratamento de linfedema
Após cirurgia e/ou radiação de cadeias linfáticas regionais, a pessoa pode apresentar, entre outras complicações, linfedema de membros superiores. O linfedema é definido como a acumulação excessiva e persistente de fluido, rico em proteínas, no espaço intersticial, devido à ineficiência do sistema linfático, como consequência da remoção de gânglios linfáticos axilares ou pela radiação (Leal et al, 2009). No caso do cancro da mama, o linfedema ocorre no membro superior do lado onde ocorreu cirurgia. 
A sua incidência depende de diferentes variáveis, incluindo a extensão da cirurgia axilar, presença de obesidade, recorrência de cancro em linfonodos axilares e radioterapia. Pode ocorrer quase que subsequentemente ao tratamento cirúrgico, durante a radioterapia ou muitos meses ou anos após a conclusão do tratamento (Leal et al, 2009).
Os sinais e sintomas associados ao linfedema são o aumento do diâmetro dos membros, tensionamento da pele com risco de quebra e infeção, rigidez e diminuição da amplitude de movimento das articulações dos membros afetados, distúrbios sensoriais na mão e uso reduzido do membro para tarefas funcionais. Consequentemente, este quadro pode resultar em deformidades estéticas, diminuição da capacidade funcional, desconforto físico, episódios de erisipela e alterações psicológicas.
De acordo com alguns estudos, uma vez instalado, o linfedema pode ser controlado mas não totalmente curado. Os resultados mais satisfatórios são obtidos quando o tratamento é iniciado logo que aparecem os primeiros sinais, porque ainda não existe fibrose nessa fase e os tecidos estão mais elásticos e funcionais. 
O seu tratamento pode ser conservador (técnicas não cirúrgicas) ou cirúrgico. Independentemente da abordagem de tratamento referida, de acordo com a Sociedade Internacional de Linfologia (2013 Consensus Document), o cuidado e higiene meticulosa da pele (limpeza, cremes com pH baixo, emolientes) é de extrema importância para o sucesso de praticamente todas as abordagens/técnicas terapêuticas.
Segundo a literatura, a fisioterapia desempenha um papel importante no tratamento e controlo do linfedema através de várias técnicas, como por exemplo:

- Drenagem linfática manual (DLM)
A DLM compreende um conjunto de técnicas manuais aplicadas com uma pressão leve, lenta e rítmica que seguem o sentido da drenagem fisiológica, visando limpar os vasos linfáticos e melhorar a absorção e o transporte de líquidos. Os efeitos desta técnica incluem a dilatação dos canais de tecido, favorecendo a formação de novas anastomoses linfáticas, estimulando os vasos linfáticos e o aumento do fluxo filtrado (Leal et al, 2009).

- Pressoterapia
Consiste numa manga pneumática com vários compartimentos, que exerce pressão sobre os tecidos através do enchimento de cada compartimento com ar. A manga enche e esvazia sequencial e ciclicamente durante um determinado tempo, de forma a causar um efeito de “massagem peristáltica” sobre o membro afetado. Segundo alguns estudos, em situações de linfedema pós cirurgia de cancro da mama, associado a remoção de gânglios linfáticos e/ou radioterapia, a pressoterapia apenas deve ser realizada após a DLM, pois esta vai estimular o fluxo linfático (International Consensus, 2006). 

- Bandas multicamadas 
As bandas multicamadas correspondem ao uso de ligaduras não elásticas que têm baixa extensibilidade e que produzem alta pressão de trabalho e menor pressão de repouso, ou seja, criam picos de pressões que produzem um efeito de massagem estimulando o fluxo linfático e promovendo o aumento da pressão intersticial e aumento da eficácia do “bombeamento” muscular e articular (Leal et al, 2009) (International Consensus, 2006).

- Compressão elástica (manga elástica)
A utilização de uma manga elástica pode ser necessária com o objetivo de controlo do lindefema a longo prazo após período de fisioterapia intensa. A sua utilização pode ser apenas para realização de exercício físico, viagens longas de carro, comboio ou avião; só algumas horas; durante todo o dia ou 24h consoante a situação e fase (International Consensus, 2006), (Leduc, 2008), (2013 Consensus Document).

- Exercício
No caso do linfedema, o exercício de resistência mínima estimula as “bombas musculares” e aumenta o fluxo linfático; o exercício aeróbico aumenta a pressão intra-abdominal, que facilita o bombeamento do ducto torácico. Segundo International Consensus (2006), as pessoas devem ser encorajadas a incluir um aquecimento e arrefecimento adequado como parte do exercício para evitar a exacerbação do inchaço. A compressão deve ser usada durante o exercício, iniciando com exercício de intensidade baixa a moderada. São recomendadas caminhadas, natação, ciclismo e aeróbica de baixo impacto, como também exercícios de flexibilidade para manter a amplitude de movimento. Por outro lado, o levantamento pesos elevados e o movimento repetitivo devem ser evitados.
De acordo com Leduc (2008), também devem estar presentes exercícios para mobilidade da região cervical e escapulo-torárica, exercícios respiratórios, exercícios de relaxamento e alongamento do sistema neural.

- Outras técnicas
Alguns estudos recentes estão a ser feitos com a utilização de terapia laser, estimulação elétrica de alta voltagem, oxigenoterapia hiperbárica com resultados na redução do volume do membro afetado a curto prazo. No entanto, são necessárias mais pesquisas para verificar os seus benefícios a longo prazo (International Consensus, 2006).
Segundo  Leal et al (2009), uma dieta com base em triglicerídeos de cadeia média (MCT) é considerada benéfica para reduzir o linfedema, uma vez que os MCT são diretamente absorvidos pela corrente sanguínea e não sobrecarregam o sistema linfático, ao contrário dos triglicerídeos de cadeia longa. Também é aconselhado um controlo do peso corporal, mantendo o índice de massa corporal (IMC) inferior a 25 (Leduc, 2008).

Segundo a Sociedade Internacional de Linfologia (2013 Consensus Document) o tratamento do linfedema está dividido em duas fase. A primeira fase (fase intensiva – com o objetivo de alcançar a redução máxima do volume do membro com melhoria estética e funcional) consiste nos cuidados da pele, DLM, plano de exercícios de mobilidade e compressão com bandas multicamadas. A segunda fase (fase de manutenção) visa conservar e optimizar os resultados obtidos na primeira fase mantendo os cuidados com a pele, a compressão através de manga elástica de baixo estiramento, auto-massagem leve e/ou DLM e continuação de exercício físico (Leal et al, 2009), (2013 Consensus Document).
Com base em revisão bibliográfica, pode-se concluir que, das várias técnicas referidas quando aplicadas isoladamente são insuficientes para reduzir o linfedema. No entanto, quando combinadas, produzem efeitos mais benéficos. Dependendo da fisiopatologia do linfedema, o fisioterapeuta deve selecionar a melhor combinação, com base numa avaliação detalhada de cada caso e a fase em que se encontra (Leal et al, 2009), a periodicidade e duração do tratamento.
Em casos em que o tratamento conservador não apresenta qualquer tipo de resultados positivos pode existir indicação médica para tratamento cirúrgico (através de redução/ressecção cirúrgica, lipoaspiração, entre outros procedimentos). De igual modo, nestes casos a fisioterapia continua a ser necessária pós o procedimento cirúrgico para manter a redução do edema e garantir a desobstrução vascular (2013 Consensus Document), (International Consensus, 2006).

Tratamento da dor relacionada com o cancro
Há muitas razões pelas quais um paciente com cancro da mama pode sentir dor. Identificar a causa e compreender a sua fisiopatologia é importante para um tratamento mais efetivo. A natureza e a gravidade da dor devem ser cuidadosamente avaliadas tendo em conta a história clínica e fatores físicos, psicossociais e emocionais. 
Para além do controlo da dor através de medicação prescrita pelos médicos responsáveis, a fisioterapia também pode ajudar no seu controlo.
Segundo Harris et al (2012), o desenvolvimento de um plano de controlo da dor eficaz inclui a educação e o envolvimento do paciente e família, que devem receber informações sobre as várias opções de intervenção no controlo da dor (farmacológica e não farmacológica). Intervenções educativas breves e diários de gestão da dor são estratégias úteis que melhoram a adesão ao tratamento e reduzem a intensidade da dor.

Tratamento da fadiga
A fadiga pode surgir como efeito dos tratamentos de radioterapia ou quimioterapia a que a pessoa pode ser submetida após cirurgia a cancro da mama. Por estes motivos, a utente deve ser incentivada a realizar um plano de condição física durante e após o tratamento. Harris et al (2012) e Leduc (2008) recomendam a realização de um plano de 30 minutos que combine atividades aeróbias (por exemplo: caminhar, andar de bicicleta) e resistência cardiovascular, 2 a 3 vezes por semana. 
O plano deve ser individualizado com base na idade, género, tipo de cancro e aptidão física da pessoa, devendo começar com um baixo nível de intensidade e duração e progredindo lentamente.

Bibliografia

Harris, S.; Schmitz, K.; Campbell, K.; McNeely, M. (2012) – Clinical Pratice Guidelines for Breast Cancer Rehabilitation – Syntheses of Guideline Recommendations and Qualitative Appraisals – Cancer, 2312-2324

International Consensus (2006) – Best Pratice for the Management of Lymphoedema – MEP LTD, London

Jammal, M.; Machado, A.; Rodrigues, L. (2008) – Fisioterapia na reabilitação de mulheres operadas por câncer da mama -  O Mundo da Saúde São Paulo 32(4), 506-510

Leal, N.; Carrara, H.; Vieira, K.; Ferreira, C. (2009) – Physiotherapy Treatments for Breast Cancer-related Lymphedema: a Literature review – Ver. Latino-am. Enfermagem, Setembro-Outubro; 17(5); 730-736

Leduc, O. (2008) – Europeaan Consensus – Rehabilitation after Breast Cancer Treatment – The European Journal of Lymphology and Related Problems; Vol.19 Nº55; 13-20

The Diagnosis and Treatment of Peripheral Lymphedema: 2013 Consensus Document of the International Society of Lymphology – Journal Lymphology 46; 1-11

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