Mochilas escolares: terão as crianças de suportar este peso?

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“Pai, à quinta-feira mal aguento com a minha mala. Fico cheia de dores nas costas”, Ana Rita, 10 anos. “Às terças tenho de andar toda inclinada para a frente e com os ombros encolhidos”, Maria João, 13 anos. Se enquanto pai acho um exagero, enquanto profissional não tenho dúvida de que estamos a contribuir fortemente para os maus hábitos posturais que são um dos principais causadores das disfunções cervicais e lombares. São estas as principais causas de dor musculoesquelética e, consequentemente, os grandes causadores de absentismo (faltas ao trabalho) e presentismo (diminuição do rendimento no trabalho). Se as entidades responsáveis não contribuem voluntariamente para a promoção da saúde, é fundamental legislar e assim obrigar a que tenham este fator em consideração. A mala de terça-feira pesa 9,3kg e a menina 29,4kg – 31,6% do peso corporal. Se pesar 70kg, imagine-se a carregar, por exemplo, todos os dias, uma mala de 22kg!


Conheça também a:

Posição da Associação Portuguesa de Fisioterapeutas relativa à Petição Contra o Peso Excessivo das Mochilas Escolares

Encontra-se a decorrer em domínio público uma “PETIÇÃO CONTRA O PESO EXCESSIVO DAS MOCHILAS ESCOLARES EM PORTUGAL”, da iniciativa de José Wallenstein.
A importância desta temática mereceu a atenção do Conselho Diretivo Nacional da Associação Portuguesa de Fisioterapeutas (APFISIO), justificando a publicação da presente nota.
O que se sabe sobre a saúde das costas das crianças e jovens
- As dores nas costas custam três vezes mais que o conjunto dos custos relativos a todos os tipos de cancro (Agência de Avaliação dos Cuidados de Saúde da Suécia, relatório de 2000).
- Existe uma relação entre as queixas de dores nas costas na adolescência e problemas da coluna vertebral na idade adulta (Brattberg, 2004; Jones, Watson, Silman, Symmons, & Macfarlane, 2003).
- Num estudo 1995 verificou-se que uma percentagem importante de adolescentes de 13-14 anos que referiam dores nas costas, apresentava já lesões que se supunha surgir apenas nos adultos (Salminen, Erkintalo, Laine, & Pentti, 1995). 
- Estudos ao longo dos últimos 20 anos, no âmbito do projeto “Aventura Social e Saúde”, coordenado pela Profa. Doutrora Margarida Gaspar de Matos, confirmam que uma em cada três crianças e adolescentes portugueses refere queixas de dores nas costas, com um ligeiro predomínio nas raparigas.
- Os jovens do grupo etário dos 10-12 anos são aqueles que estão mais expostos aos fatores de risco de dores nas costas relacionados com o uso da mochila.
O que se tem feito
Mesmo antes da Direção-Geral da Saúde ter incluído a Saúde das Costas no Programa Nacional de Saúde Escolar, um grupo de investigadores portugueses que integrava fisioterapeutas, técnicos de saúde ambiental, médicos de família, médicos de saúde pública e professores de educação física, coordenado pelo fisioterapeuta Emanuel Vital, desenvolveu investigação sobre este problema que decorreu entre 2003 e 2009. Durante seis anos foram acompanhados cerca de 700 alunos obtendo-se informação sobre a saúde das suas costas ao longo do seu desenvolvimento.
Do projeto “Escola e Saúde” viria a resultar um programa de promoção da saúde “Se as minhas costas falassem…”. Durante o programa “Escola e Saúde” foram feitos cerca de 16.000 registos do peso das mochilas. No total foram pesadas cerca de 70 toneladas de mochilas! Durante o programa de promoção da saúde “Se as Minhas Costas Falassem…”, que arrancou em 2006, foram feitos cerca de 3.000 registos do peso das mochilas, com recolhas na ordem dos 13.500Kg!
Três centros de saúde e dezasseis escolas, públicas e privadas, da região centro de Portugal, estiveram envolvidas nesta iniciativa e dela beneficiaram mais de 3500 alunos. Diversos recursos comunitários, municípios, juntas de freguesia, meios de comunicação social e empresas de vários ramos associaram-se a este projeto.
Outros investigadores portugueses, designadamente os fisioterapeutas Prof. Doutor Raúl Oliveira e a Profa. Doutora Beatriz Mingelli, também têm desenvolvido trabalhos nesta área, confirmando resultados publicados um pouco por todo o mundo.
O que se ficou a saber do projeto “Escola e Saúde”
- Nove em cada dez alunos carregam, pelo menos um dia por semana, uma mochila pesando mais de 10% do peso do seu corpo!
- Os jovens de baixo peso e baixa estatura são os mais expostos a este problema. Eles carregam, pelo menos um dia por semana, uma mochila pesando mais de 17,5% do peso do seu corpo!
- A postura do tronco e o modo como os jovens transportam a mochila são os aspetos que necessitam ser melhorados
- A equipa do projeto “Escola e Saúde” determinou, pela primeira vez, recorrendo à técnica estatística de “análise de sobrevivência”, uma relação de causalidade entre peso da mochila e queixas de dores nas costas. Determinou ainda que aquela relação era proporcional ao peso da mochila, isto é, o aumento das queixas acompanha o aumento do peso da mochila. Esse achado científico, que só foi possível obter devido ao desenho do estudo, foi divulgado no 2º Congresso Nacional de Saúde Pública, na cidade do Porto, em 2010.
- O peso da mochila não deve ultrapassar os 10% do peso do corpo. Acima desse valor considera-se que o jovem se encontra exposto a problemas da coluna vertebral.
- Mas não é só o peso que conta. Os jovens que transportavam mochilas pesadas e ao mesmo tempo levavam as mochilas soltas e descaídas eram aqueles que apresentavam queixas com maior frequência.
- Além disso foi encontrado um dado muito importante sobre a condição física dos alunos: os jovens que apresentavam diferenças muito grandes entre a força dos músculos que endireitam as costas e os músculos que dobram as costas referem com maior frequência dores nas costas.
- Foi determinado ainda que a mochila pode ter um efeito protetor da saúde se o seu peso não exceder os 10% do peso do corpo.
Os Jovens são capazes de proteger as suas costas
- Os jovens que participaram no programa “Se as Minhas Costas Falassem…” referiram que passaram a saber como proteger as suas costas.
- Os resultados registados ao longo e no final do programa revelaram que os jovens mostraram ser capazes de fazer algo para proteger as suas costas.
- Os jovens que costumavam carregar a mochila com muito peso conseguiram reduzir em cerca de 2Kg o peso das suas mochilas!
- Os jovens que participaram no programa “Se as Minhas Costas Falassem…” e que costumavam transportar as mochilas mais soltas e descaídas constataram que era fácil proteger as suas costas e reduziram em mais de 15 cm o comprimento das alças das mochilas.
As Escolas também contam . . .
Um estudo desenvolvido pela fisioterapeuta Teresinha Noronha realizado em várias escolas da região centro, abrangendo mais de 2500 alunos permitiu ainda verificar que as condições das escolas também influenciam o peso das mochilas. As escolas com menos cacifos por aluno e as escolas onde não foi implementado o programa “Se as Minhas Costas Falassem…” eram aquelas em que os alunos tinham mochilas mais pesadas.
. . . os pais e os professores também
Em 2011, a fisioterapeuta Teresinha Noronha que integrava a equipa “Escola e Saúde” publicou o livro “Os Meninos das Costas Perfeitas”. Mais tarde, no Instituto Politécnico do Porto, um estudo de investigação conduzido pela mestranda Sandra Silva e pela Profa. Doutora Cristina Argel de Melo, verificou a presença de comportamentos de proteção da saúde (mochilas menos pesadas) nas crianças às quais foi lido aquele livro. Os resultados positivos ocorriam quer o livro fosse lido pelos professores, na escola, ou pelos pais, em casa.
Posição da APFISIO sobre a Petição Contra o Excesso de Peso das Mochilas Escolares
Reconhecendo a gravidade do problema da saúde das costas, a APFISIO apoia todas as iniciativas que visem proteger a saúde, reconhecendo o mérito da petição atual contra o excesso de peso das mochilas, e reconhecendo igualmente, que o poder político tem uma responsabilidade especial nesta matéria. Neste sentido insta os fisioterapeutas portugueses a apoiar essa iniciativa que pode ser acedida em http://peticaopublica.com/pview.asp...
Lisboa, fevereiro de 2017 
Conselho Diretivo Nacional da APFISIO

Bibliografia
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- Vital, E.; Noronha, T.; Roque, A. L.; Nascimento, A. I.; Melo, M. J.; Joaquim, C.; Rosa, F.(2010). Análise de Sobrevivência Aplicada à Vigilância Epidemiológica das Raquialgias dos Adolescentes: dados preliminares da exposição à carga externa. Arquivos de Medicina (abstract). Vol. 24, Nº 5: 232.
- Noronha, T. & Vital, E. (2011).“Se as Minhas Costas Falassem” – avaliação da efectividade dois anos depois. Revista "Saúde & Tecnologia", Nº5: 12-16.
- Vital, E., Noronha, T., Roque, A. L., Melo, M. J., Nascimento, A. I., Joaquim, M. J., Rosa, F.(2011). Força de Resistência dos Músculos do Tronco em Crianças e Jovens: um contributo para validação de um instrumento de medida e estabelecimento de valores normativos. Revista Portuguesa de Fisioterapia no Desporto, Vol.5 Nº2: 14-24
- Noronha, T. & Vital E. (2012). “Se as Minhas Costas Falassem” – evidência da efectividade. in "Comportamentos de Saúde Infanto-juvenis: realidades e perspetivas". Editor: Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Viseu. (ISBN: 978-989-96715-5-3): 627-633.

- Silva, S. (2013). A influência da leitura do livro “Os Meninos das Costas Perfeitas”, na adoção de comportamentos saudáveis, relacionados com a mochila escolar. Tese de Mestrado. Orientadoras: Melo, C.A.; Noronha, T.M. Editor: Instituto Politécnico do Porto. Escola Superior de Tecnologia da Saúde do Porto (identificador: http://hdl.handle.net/10400.22/1917).

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