Dor crónica na Gonartrose
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A International Association for the Study of Pain
(IASP) define a dor como sendo uma experiência sensorial e emocional
desagradável associada à lesão ou potencial lesão tecidular, ou descrita em
termos de tal lesão. A dor existe quando e onde o paciente diz que existe.
Ambas as definições referem que a dor não existe só quando há alterações em
radiografias, ressonância magnética nuclear ou estudos laboratoriais.
A dor é uma experiência que resulta do processamento da
informação nociceptiva a nível central. Sabe-se que não há um local específico
para o tratamento desta informação, mas sim vários locais que têm diferentes
contribuições para a análise e construção de uma resposta adequada, pelo que se
diz ser uma experiência multidimensional (sensorial, afetiva e cognitiva). É
um sistema dinâmico que pelas suas características torna a dor uma experiência
individual, difícil de quantificar e, portanto, difícil de comparar entre
diferentes pessoas.
A dor é influenciada por múltiplos fatores como a sua origem
(fisiopatologia), a localização, a duração, frequência e intensidade, a
personalidade do indivíduo, a sua história anterior (memórias anteriores), o
contexto físico, social, familiar e cultural e até pelo apoio de terceiros.
Este fenómeno é indispensável ao nosso organismo pois trás um
valioso sinal de alerta em caso de eventual lesão ou doença orgânica. No
entanto, quando há dor sem lesão, lesão sem dor ou esta relação é
desproporcional levantam-se algumas questões quanto ao seu verdadeiro papel na
defesa do corpo. Casos concretos de dor sem lesão ou de relação desproporcional
são os de dor crónica, onde muitas vezes não se conhece exatamente a causa da
dor, trazendo grandes consequências afetivas e cognitivas pelo seu impacto no
dia-a-dia ao longo de muito tempo consecutivo.
No caso da gonartrose, sabe-se bem qual é a razão de tal dor,
no entanto pela sua duração e irreversibilidade torna-se crónica e com grande
impacto no indivíduo por interferir grandemente com o seu desempenho físico que
era habitual. Por isto, pode trazer outros problemas de índole psicológico
associados, como a ansiedade, depressão, etc.
A dor crónica é definida como sendo uma experiência que
perdura ininterruptamente para além de 3 meses, permanecendo após o tempo
esperado para a reparação tecidular. No entanto, não é a duração da dor que
distingue a dor aguda da crónica mas, mais importante, é a incapacidade do
corpo restaurar as suas funções fisiológicas para níveis homeostáticos normais.
2. Mecanismos
neurofisiológicos
Vimos que no caso da osteoartrose os fatores que contribuem
para a dor são vários. Falámos da sensibilização periférica de carácter
inflamatória (Dor Nociceptiva Inflamatória) provocada pela presença de
mediadores inflamatórios desencadeado pelas microfraturas sub-condrais, mas
também da sensibilização periférica de carácter isquémico (Dor Nociceptiva
Isquémica) provocada pela alteração vascular consequente ao excesso de pressão
num ponto ou pela tensão muscular mantida onde os fluidos são forçados para fora
dos tecidos levando a um meio mais ácido. Também vimos que pode haver dor por
excitação mecânica dos nociceptores (Dor Nociceptiva Mecânica) por osteofitos
ou compressões derivadas do mau posicionamento articular. Falámos da dor
nociceptiva mecânica pelo aumento do volume intra-articular ou até pela
alteração da pressão intra-articular provocada por alterações da pressão
atmosférica.
Também é possível surgir dor neurogénica periférica na
gonartrose. São vários os casos de descrição de tal dor, especialmente
relacionada com o nervo safeno (muitas vezes confundido com a tendinite da Pata
de Ganso), com o nervo peroneal ou com o nervo tibial. Os axónios são
desenhados para funcionarem como autoestradas e transmitir impulsos em vez de
os gerar. O processo de geração de impulsos e transdução são papéis das
terminações nervosas e, eventualmente, dos gânglios. No entanto, em
determinadas situações podem surgir perturbações ao longo do nervo que permitem
a geração de impulsos anormais. O conhecimento sobre estes locais de geração de
impulsos anormais é a chave para compreender a dor neurogénica periférica.
O mais óbvio é os sintomas derivarem da enervação dos tecidos
conectivos do próprio nervo. Quando lesionado, um segmento do nervo periférico
pode desenvolver a capacidade de repetidamente gerar os seus próprios impulsos.
O axolema está sempre num estado de remodelação. Os canais iónicos estão
continuadamente a ser substituídos ou apenas regulados, quer naturalmente quer
em resposta a situações da vida. O elemento chave para a descarga anormal tem a
ver com a alteração do número de canais iónicos, do seu tipo e da sua
excitabilidade. Para além destas modificações, tem de existir um estimulo
mecânico e/ou químico que ative os canais, o que é muito fácil acontecer no
caso da gonartrose, por todos os fatores já vistos.
Com o aumento do input nociceptivo para o SNC, pela ativação
dos nociceptores, pela sensibilização dos nociceptores silenciosos ou
mecanicamente insensíveis (uma vez ativados, os nociceptores silenciosos
passam a ter limiares de excitação baixos, excitação espontânea e frequências
de descarga aumentadas face ao estimulo) e pela conversão do fenótipo de
aferentes não nociceptivos, surge a Hiperalgesia primária e Alodínea.
Este enorme conjunto de fenómenos quando mantidos no tempo
podem desencadear um outro processo de excitação, a sensibilização central. É
característica da dor crónica, especialmente nos casos onde a informação
nociceptiva periférica não coincide com a intensidade da dor, acontecer a dor
de origem central. Concretamente na osteoartrose do joelho vários autores
defendem a existência de um processo de dor central.
Os altos níveis de excitabilidade e de neurotransmissores
leva a uma destruição dos interneurónios inibitórios. Perante estímulos de alta
intensidade e frequência, o potencial de membrana dos neurónios de projeção
atingem níveis que forçam a remoção do magnésio dos canais iónicos NMDA e assim
permite a entrada de cálcio para a célula, ativando processos de feedback
retrógrado. Este processo conduz a uma destruição do sistema de modulação da
dor e, portanto, facilita a dor sem lesão periférica.
Para além da maior excitação pós-sinaptica, outro efeito do
aumento da concentração do cálcio intracelular é o aumento de produção de óxido
nítrico que tem importantes funções de segundo mensageiro dentro da célula e
pensa-se que é capaz de se difundir para fora da célula para aumentar a
ativação do neurónio periférico aferente.
Há ainda uma reorganização anatómica ao nível central (nos
cornos posteriores da medula), aspeto importante na sensibilização central.
Mecanoreceptores que normalmente faziam sinapse nas lâminas III e IV passam a
ligar-se à lâmina II, excitando neurónios centrais que transportam a informação
nociva. Desta forma, estímulos mecânicos centrais podem tornar-se em estímulos
dolorosos – Alodinea de origem central.
O aumento da atividade sináptica resultante de um estado de
sensibilização central pode influenciar a atividade noutros polos neurais,
podendo desencadear e assim explicar alterações na função motora e autónoma,
que estão presentes em muitos estados de dor – Facilitação Medular ou Segmento
Facilitado.
Esta disfunção somatomotora e química mantém-se num ciclo
vicioso de dor, onde outros fatores como a personalidade, estado psicológico e
outros fatores externos têm um papel muito importante.
A equipa Physioclem.
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