Gonartrose - Artrose do joelho
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1. Definição e epidemiologia
A osteoartrose é uma doença reumática
caracterizada por degenerescência da cartilagem articular, esclerose óssea
sub-condral e osteofitose. Esta patologia, localizada no joelho (gonartrose), é
um problema comum, especialmente entre as pessoas com idade mais avançada, no
entanto não deve ser considerada como inevitável com o envelhecimento.
É a doença reumática mais frequente.
Trata-se de um problema cuja prevalência varia em diferentes populações e é um
grande causador de dor e incapacidade, trazendo grandes custos financeiros à
nossa sociedade. Normalmente esta patologia tem um grande impacto no desempenho
das atividades da vida diária da pessoa.
O risco de osteoartrose do joelho é
comparável nos homens e mulheres com menos de 50 anos de idade. No entanto,
depois dos 50 a incidência e prevalência da gonartrose (sinónimo de
osteoartrose do joelho) aumenta mais rapidamente nas mulheres que nos homens.
Afeta 5% a 10% da população em geral e aos 70 anos, 85% da população tem
osteoartrose diagnosticável e 100% apresenta alterações radiológicas.
A osteoartrose é predominantemente
uma patologia de articulações sinoviais. Como já referimos, é caracterizada por
uma perca local da cartilagem articular (cartilagem hialina) e neoformação
óssea marginal.
Todos os tecidos que constituem uma
articulação, nomeadamente a cartilagem, o osso, a sinovial, a cápsula, os
ligamentos, músculos e fáscias, são interdependentes. O insulto a uma destas
estruturas resulta num insulto a todo o conjunto pelo desequilíbrio provocado,
resultando em patologia.
A cartilagem articular, como outra
cartilagem hialina, é avascular. É nutrida por difusão a partir do líquido
sinovial da cavidade articular. Esta estrutura é composta essencialmente por
água, colagénio e proteoglicanos. O sulfato de condroitina e o queratossulfato
(glicosaminoglicanos) estão ligados a proteínas formando os proteoglicanos.
Estes por sua vez ligam-se com o ácido hialurónico (glicosaminoglicano) e
proteínas, contribuindo para a estabilidade e força da cartilagem. O colagéneo,
especialmente do tipo II (a maior parte do constituinte da cartilagem hialina),
também tem um papel chave na integridade da estrutura e nas capacidades
funcionais.
Grosseiramente, a primeira
manifestação da osteoartrose é a irregularidade da cartilagem. Este fenómeno é
seguido da erosão da superfície cartilagínea e finalmente, pela perca da
cartilagem, que pode resultar num contacto osso-osso dentro da articulação.
Fig. 1 – Representação
esquemática da evolução da degenerescência da cartilagem articular.
Microscopicamente, nos estados
iniciais ocorrem pequenas irregularidades na cartilagem, precedendo a eventual
degradação dos glicosaminoglicanos. Isto conduz ao desenvolvimento de fissuras
verticais, e, inevitavelmente, perca de cartilagem. As células inflamatórias
podem proliferar durante o processo, logo desde o início, mas a inflamação não
é um componente significativo na gonartrose.
Ao nível celular, no início da
osteoartrose os condrócitos passam por uma proliferação transitória e produzem
maiores quantidades de várias enzimas e fatores de crescimento. Este fenómeno
de síntese da matriz cartilagínea opõe-se à desagregação da mesma. Quando há
desequilíbrio as alterações da osteoartrose desenvolvem-se.
A deposição de cristais também tem
sido implicada na patogenese da osteoartrose. A progressão desta patologia é
frequentemente paralela à acumulação de cristais de pirofosfato de cálcio, de
fosfato de cálcio ou de hidroxiapatite no fluido articular. É ainda mais comum
nas situações mais severas. Pensa-se que a deposição de cristais leva à
libertação de enzimas (colagenese, etromelisina e outras proteases) e outros
fatores (prostaglandina E2) que podem aumentar a degeneração cartilagínea.
Consequentemente, a membrana sinovial
sofre uma hiperplasia desencadeando um aumento da espessura da cápsula
articular.
Depois de iniciada, a osteoartrose desenvolve-se
num processo de auto-perpetuação que continua sempre. A progressão da doença é
inevitável acompanhada de alterações na arquitetura cartilagínea, que altera
os locais de stress mecânico na articulação, o que por sua vez leva a mais
degeneração.
Várias teorias têm sido propostas
para clarificar a degradação da cartilagem na osteoartrose. O stress mecânico
parece ser o evento causal inicial, levando a alterações no metabolismo dos
condrócitos e nas propriedades da matriz, assim como na produção aumentada de
enzimas proteolíticas. O facto de o local de maior perda de cartilagem
coincidir com o local de maior carga, é razão para fazer querer que este
provável fator causal não é apenas uma hipótese. Parece que as múltiplas
fraturas resultantes levam à degradação e perca gradual da cartilagem
articular, que altera a arquitetura articular e promove a produção de
osteófitos. Estudos recentes levantam a hipótese de poder haver fatores
bacteriológicos causadores da degradação da cartilagem, nomeadamente a mesma
bactéria do acne.
Apesar da perspetiva de todos quanto
ao prognóstico desta patologia não ser o mais favorável, não há razão para tal
pessimismo, já que o organismo tem capacidade regenerativa, a evolução clínica
não está de acordo com a evolução radiológica, muitos pacientes não têm
manifestações clínicas da patologia diagnosticada e existem inúmeras formas de
tratamento que resultam numa significativa melhoria clínica, com aumento da
qualidade de vida.
A fisiopatologia da dor na
osteoartrose é multifatorial. Curiosamente, a principal estrutura envolvida na
fisiopatologia da osteoartrose, a cartilagem articular, não tem nociceptores,
pelo que não é causador de tamanho desconforto associado à patologia. A dor
deriva então de outras estruturas e mecanismos. As microfraturas sub-condrais
(cartilagem e osso) causam uma libertação de mediadores inflamatórios que por
sua vez conduzem à inflamação da sinovial, provocando um aumento da sua
espessura e da quantidade do fluido intra-articular, levando ao aumento de
pressão no interior da cápsula articular. Uma das possíveis causas de dor pode
ser a estimulação dos nociceptores da membrana sinovial pelo seu estado
inflamatório ou indiretamente por estimulação de mecanorrececptores através do
aumento de pressão intra-capsular.
Fig. 2 – Representação
esquemática das alterações da cartilagem, sinovial e capsula articular na
gonartrose.
A presença da inflamação causa
sensibilização periférica das estruturas envolvidas no processo da dor. Em
condições normais, o movimento não desencadeia excitação dos nociceptores,
apenas se existir uma pressão forte no end-feel do movimento como proteção
articular. No entanto, quando na presença de uma sensibilização periférica, os mediadores
químicos excitam os nociceptores mesmo com o movimento normal – hiperalgesia,
ou até mesmo em repouso. A pressão exercida pelo aumento do volume
intra-articular também pode contribuir para a excitação dos nociceptores.
Com a sensibilização dos aferentes
nociceptivos, estes libertam neuropeptidos como a Substância P que por sua vez
leva a um aumento de resposta inflamatória (inflamação neurogénica) e facilitam
o extravasamento de plasma sanguíneo resultando em mais edema articular.
Outros possíveis fatores desencadeantes
da dor são a periostite nos locais de remodelação óssea, a irritação das
terminações nervosas na sinovial provocada pelos osteofitos, o espasmo muscular
periarticular e o sofrimento vascular do osso pela diminuição do fluxo sanguíneo
e aumento da pressão intra-óssea.
A disfunção muscular e do sistema
sensoriomotor são outras das consequências desta patologia que contribuem para
o estado geral. O paciente adota posturas antiálgicas e retrai-se de
atividades que desencadeiem a dor. Este facto pode dever-se a um esforço
consciente de evitar a dor mas também reflete o efeito da atividade aferente
nos reflexos motores. A inflamação intra-articular pode produzir um aumento da
resposta reflexa de flexão, em parte responsável pela deformação do joelho em
flexão. Também parece haver uma capacidade muscular diminuída em contrair na
presença de dor e inflamação articular, resultando em inibição do quadricípite.
Também a propriocepção costuma estar reduzida na gonartrose.
Finalmente, o défice proprioceptivo,
a dor e a diminuição da força muscular contribuem para uma alteração do
controlo motor e do padrão de recrutamento motor. Esta alteração por sua vez
trás um desalinhamento do eixo articular e, portanto, uma alteração das forças
de tensão articular, comprometendo a longevidade das estruturas por facilitar
as alterações de osteoartrose (Ciclo Vicioso).
3. Fatores de risco da gonartrose
A gonartrose é um problema universal
causado por múltiplos fatores, incluindo genéticos, metabólicos, bioquímicos,
enzimáticos, biomecânicos e outros fatores do meio externo.
A literatura sugere que a patogénese
da gonartrose é diferente nos homens e mulheres. Nas mulheres a osteoartrose
tende a ter uma associação mais forte com a obesidade e é frequentemente
bilateral. Nos homens tende a estar relacionado com traumatismos anteriores ou
lesões e é frequentemente unilateral.
Outros fatores de risco
estabelecidos são a idade avançada, o sexo feminino, a osteoartrose noutros
locais, obesidade, lesões anteriores ou cirurgias. A obesidade e lesões
anteriores parecem ter um maior impacto no iniciar do problema do que na sua.
Também há evidências de que um determinado nível de atividade física pode ter
algum efeito, no entanto alguns investigadores não estão convencidos desta
relação.
Existe uma forte associação da
atividade física intensa com a incidência da gonartrose, especialmente em
pacientes mais idosos. Este facto pode estar relacionado com as incapacidades
físicas, como a fraqueza muscular, deficiências proprioceptivas, degeneração
meniscal ou pequenas lesões ligamentares, que se pronunciam na resposta à
atividade neste grupo de indivíduos.
Fatores como a instabilidade
ligamentar ou o movimento anormal podem contribuir para uma gonartrose
prematura. Nas atividades de baixo impacto não parece promover o aumento do
risco mas nas atividades de alto impacto esse risco aumenta.
A deficiência em estrogénio pode
também ter um papel no desenvolvimento de osteoartrose nas mulheres. Segundo os
autores, a terapia de substituição hormonal pós menopausa parece ter um efeito
protetivo na incidência e progressão da gonartrose nas mulheres mais idosas.
Alguns autores consideram que o
“primum movens” da osteoartrose não está na cartilagem articular mas no osso
sub-condral, que está mais rígido e menos depressível, vulnerabilizando a
cartilagem às forças de impacto.
4. Evolução e sintomas
A história, exame físico e exame
radiográfico ajudam a estabelecer o diagnóstico de gonartrose.
O início insidioso com progressão
gradual da dor são normalmente os
sintomas iniciais desta patologia, no entanto alguns permanecem assintomáticos.
A dor, essencialmente de características mecânicas e não inflamatórias, pode
estar localizada no joelho ou irradiar largamente. A dor pode estar situada nos
compartimentos interno ou externo dependendo das estruturas e áreas mais
afetadas.
Frequentemente as pessoas descrevem a
dor na sequência do movimento, especialmente no final das amplitudes. É
normalmente agravado com as posições de carga ou excesso de uso (isto é, andar
ou outro exercício). Os pacientes podem ainda queixar-se de dor anterior do
joelho que piora com o sentar prolongado, subir escadas, saltar, agachar ou
ajoelhar, que indicam envolvimento da articulação patelo-femural.
Inicialmente a dor melhora com o
repouso, mas com a progressão a dor também pode ocorrer espontaneamente em
repouso e à noite. As condições meteorológicas tendem a alterar o nível de dor.
As pessoas normalmente sentem mais dor com a humidade, o frio ou com o tempo
chuvoso, provavelmente causado pelas alterações da pressão intra-articular
associada às alterações da pressão atmosférica.
Outros dos sintomas são a rigidez e limitação funcional, com ou sem a sensação de crepitação. Esta rigidez acentua-se após períodos de inatividade,
onde a noite é o principal período. Comparada à artrite reumatoide, a rigidez
matinal associada à osteoartrose dura 15 a 20 minutos ou menos. Os pacientes
também se queixam de rigidez com o repouso e inatividade que resolve com
alguns minutos de atividade. À medida que progride, os pacientes com
gonartrose queixam-se de sensação de instabilidade
e diminuição da amplitude de movimento.
Os pacientes também podem notar deformidades
no membro inferior afetado. Por vezes também podem sentir edema dos tecidos moles e edemas intra-articulares nas situações
mais graves.
5. Repercussões funcionais da
gonartrose
A patologia leva à anomalia da
estrutura e função ao nível orgânico. Por sua vez, estas alterações conduzem a
limitações funcionais que vão incapacitar a realização das tarefas do dia-a-dia
de forma normal.
As pessoas com osteoartrose
normalmente referem limitações funcionais associadas à rigidez articular,
instabilidade e fraqueza muscular e/ou pelo problema principal na maioria das
vezes, a dor.
Estes problemas conduzem a uma
diminuição da atividade e adoção de posições antiálgicas, como a flexão
(especialmente quando a dor está mais aguda), que por sua vez contribuem ainda
mais para as limitações funcionais, como num ciclo vicioso.
Diagrama 1: Ciclo vicioso da limitação funcional
desencadeado pela gonartrose.
A correlação entre a dor, a
incapacidade e as alterações estruturais da osteoartrose varia de acordo com a
articulação afetada. No joelho, a dor e incapacidade correlacionam-se
grandemente com a fraqueza muscular, condições psicológicas adversas (ansiedade,
depressão, falta de apoio, baixa auto-confiança e menor grau de escolaridade) e
com a obesidade e pouco com as alterações estruturais.
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