"A Physioclem é uma caixa mágica: trata do corpo e da mente"




 
Há mulheres que nasceram para brilhar. Maria do Carmo Santos é uma estrela. A vida difícil que teve, só lhe deu ainda mais razões para sonhar, acreditar, lutar e alcançar. Aos 58 anos, a professora de Educação Física, da pequena aldeia de Cumeira do Paço, freguesia de Barreira (Leiria), continua a espalhar magia por onde passa, criando empatias inexplicáveis. Durante mais de uma década, vestiu a camisola do Benfica. Foi, e ainda é, uma jogadora de andebol notável. Taças? Ergueu várias, em campeonatos nacionais e internacionais, jogando pela seleção. 
Com 12 anos, já era empregada de serviço numa pensão em Leiria, seguindo as pegadas da mãe. Cedo soube que a vida não era um conto de fadas. Sabia também que a sua vida não seria para passar de avental, embora respeitando quem o usa. “Não queria ser mais uma empregada doméstica, nem ser mais uma mulher do campo. Apesar dos meus pais não terem condições económicas para me pôr a estudar, não desisti”, relembra Maria do Carmo.
Sonhava ser professora primária. Ensinar. Talvez, pelos estudos lhe fugirem. “Gostava de crianças e queria que tivessem um futuro bonito e de conhecimento”, explica. 
Os anos que antecederam o 25 de Abril de 1974, viveu-os intensamente. O seu avó era polícia da PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado). Conhecia os horrores pela boca de um dos homens que mais amava. “Não gostava do que ele fazia, mas não tinha direito a dar a minha opinião. Todas as histórias me revoltavam”.
Foi na pensão em Leiria que conheceu a mulher que mudou o rumo da sua vida. Helena acreditou em Maria do Carmo, embora a mãe não concordasse, porque os irmãos também não tiveram essa oportunidade. Foi no Ciclo Velho, Escola Francisco Rodrigues Lobo, que prosseguiu os estudos. Todos os dias percorria a pé mais de 14 quilómetros entre casa e escola. Nem os dias de mau tempo, nem os de calor a derrubaram. Face à condição dos pais, os estudos eram subsidiados.
Outra mulher havia de mudar a sua vida. Helena Gonçalves, professora de Português e sub-diretora da Escola, e o seu marido José Gonçalves, esteve sempre presente. “Com ela encantei-me pelos valores de esquerda. Se não lutarmos nada temos”. Linhas que desenharam, também, o seu futuro e percurso. 
A ideia de professora primária acabou por esmorecer. Seria também professora, mas na área do Desporto. Foi no desporto que encontrou a maior paixão da sua vida. “Sem dedicação, esforço, suor, cooperação, respeito, nada temos. O desporto é uma conquista. É um duelo contra nós próprios, com o objetivo de darmos sempre o máximo. A minha vida tem sido uma competição”, testemunha.
Nas aulas, vestia bata branca, como todos os colegas. “Aparentemente éramos todos iguais, mas na verdade não passava de um quadro bonito. Uns beneficiam por serem filhos de quem eram…”.
Uma redação sobre as férias de Maria do Carmo, que eram passadas no sol do campo, deixaram Helena Gonçalves, que não tinha filhos, ainda mais sensibilizada. “Sabia das minhas dificuldades, mas não sabia o que eu sentia”. Entretanto, o pai morre e a mãe acaba por deixar a pensão. Tinha 14 anos e sentiu que não podia deixar a mãe entregue aos dias do campo. A professora de Português recebe a mãe e a irmã de Maria do Carmo em casa. “A minha irmã tratou do casal até morrer”. Apesar da riqueza, foram sempre pessoas humildes: “deixaram o que tinham para quem mais precisava e foi criada a Fundação Dr.º José Gonçalves, em Tondela”.
Uma gratidão que jamais esquece. Foram os “pais” do seu voo. Ainda pelas mãos de Helena Gonçalves vai trabalhar para o Fundo de Apoio aos Organismos Juvenis, atual Instituto da Juventude, juntando dinheiro para prosseguir estudos. Trabalhou como bibliotecária durante cinco anos. Nos dois últimos anos do secundário, já lá trabalhava. Antes de seguir para o Instituto Superior de Educação Física, em Lisboa, decide ficar mais dois anos a trabalhar. “Só fui tirar o curso com 23 anos. Tive de juntar dinheiro primeiro”. 
A vida não passou a ser um mar de rosas. As dificuldades foram sempre surgindo, mas, no meio da turbilhão de emoções, houve conquistas. “No ano em que entro para a universidade, o curso passa a ser também ministrado à noite, o que me permite continuar a trabalhar em Leiria e a estudar em Lisboa. Nos meus primeiros três anos, foi esta a minha rotina”. Foi recebendo o convite de várias equipas para jogar andebol, mas não tinha como aceitar. Assim, que termina o bacharelato concorre e é colocada numa escola em Queluz. A vida financeira melhorou significativamente. 
Entre 1983 e 1984, veste a camisola da equipa de andebol de Campo de Ourique. Começa, assim, uma nova paixão na sua vida. No ano seguinte, as atletas e a treinadora são convidadas a integrar a equipa do Benfica. Anos de glórias foram surgindo. Vestia a camisola do clube que ama. O Benfica. Fê-lo durante 14 anos. À exceção de uma época, foi sempre campeã nacional. A Taça de Portugal também lhe pertenceu durante uma década. “Sou uma boa ponta direita, boa executante… Fiz história na modalidade, porque fui a jogadora mais velha em alta competição em campo, até aos 42 anos. No dia em saí, fizeram-me uma homenagem… Foi um dia de grandes emoções. Estávamos a perder por seis, quando entro em campo damos a volta ao resultado e somamos mais uma Taça de Portugal”.
No Museu do Benfica, ocupa também um lugar especial. O bichinho continua tão presente, que todos os anos as veteranas se reúnem para relembrar velhos tempos. “É um clube eclético que não esquece o trabalho que lhe foi dedicado”.
A senhora da pequena aldeia da Cumeira do Paço sonhava pela Capital. Vai dar aulas para o Cacém. Nasce a filha Carolina. O grande amor da sua vida. “Só pensei em ter filhos quando a carreira de alta competição começou a abrandar”. Entretanto, é obrigada a concorrer a estágio e regressa a Leiria. Como tinha um horário reduzido, decide abrir um ginásio. O frenesim mantém-se em altas, pelo menos durante cinco anos. Trabalhava em Leiria e treinava em Lisboa, no clube do seu coração. “Acordava às seis da manhã e entrava em casa perto da uma”.
Terminada a alta competição, dedicou-se à família, mas não consegue deixar o mundo do desporto… Um convite da Juventude Desportiva do Liz mantém-na em campo, com atletas bem mais novas. “Sou muito extrovertida. Sempre fui líder, mas nunca fui capitã”, refere.
Não é apenas o andebol que lhe corre nas veias. Tudo quanto for desporto é uma segunda pele. É campeã nacional de badminton, em veteranos, e vice-campeã nacional em pares femininos de ténis, no escalão mais 55 anos, modalidade que iniciou apenas há quatro anos.
A morte da mãe deixou-a num buraco do qual tem tido dificuldade em sair. “No meio das dificuldades e conquistas, foi sempre o meu apoio. Um exemplo de resiliência e de luta”. Os genes estão lá. Também Maria do Carmo é assim, uma lutadora e dona de um sorriso que engrandece qualquer momento.
Foi uma lesão na mão, provocada por uma doença hereditária, que a levou até à Physioclem. Acabou por deixar o badminton porque não suportava as dores. Nesta casa, encontrou muito mais do que uma equipa disposta a tratá-la, encontrou uma família. “O Luís Nascimento é um amigo para a vida. Foi um porto de abrigo, quando a minha mãe estava doente. A Physioclem é uma caixa mágica: trata do corpo e da mente. Não nos largam até saberem que estamos mesmo bem”. Quando há corridas, Maria do Carmo veste a camisola da clínica.
A senhora que sonhou em menina mantém-se saudável no desporto, para estar saudável nas relações com amigos, familiares e alunos. Vê um futuro difícil para os jovens, ainda assim sabe que todos os obstáculos podem ser ultrapassados, se houver determinação. 
Com Maria do Carmo encontramos forma de sorrir. E sorrimos. A felicidade é saudável.

Luci Pais

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