“A physioclem tem sido a escola da vida e uma casa onde posso cuidar de todos aqueles que nos procuram”
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Sentamo-nos em cima da cama. Eu e a
Vânia Clemente. O lugar mais tranquilo da casa. Pelo menos, era essa a
intenção. Lá fora, havia gritos, correria, felicidade… Uma casa cheia de vida.
Juntavam-se aos quatro da Vânia, os meus dois filhos. O Marco Clemente pedia
silêncio, mas como se pode pedir a seis crianças que fiquem sossegadas?!
Prepare-se porque tão depressa estará no presente, como no passado. O
entusiasmo e determinação de Vânia reflete-se tanto na ação, como nas palavras,
mas isso toda a gente já sabe!
São Sebastião da Pedreira. Lisboa.
1978
Nascia Vânia Maria da Silva Caeiro.
Única filha de um casal que se separou quando a menina tinha 9 anos. Ficou com
a mãe, Anabela Silva. O pai, José Caeiro, viu-o, depois dessa data, pouco mais
de quatro ou cinco vezes, embora vivessem na mesma terra. “Nunca me procurou,
nem houve relação. Ele achava que era um dever meu. A verdade é que nem os
netos conhece”, testemunha.
Com a idade da filha mais velha, 12
anos, Vânia já tratava de toda a casa, só não aprendeu a cozinhar. Talvez, por
isso, tenha a mania das limpezas e arrumações. A mãe trabalhava sempre até
tarde. Com a comida, embora nunca faltasse, desenrascava-se com o que havia:
sopas ou papas. A avó materna tinha o cuidado de levar uma panela de sopa.
Punha a música alta e dançava, enquanto esfregava, passava a ferro e punha tudo
no lugar.
Alcobaça. Maio de 2016. Família
“Gostava de cuidar da casa. Ficava
satisfeita em ver tudo arrumado, ainda hoje é assim. É chato, fico cansada, mas
gosto de tratar de toda a logística. A Vânia fisioterapeuta faz o seu trabalho,
depois há o marido, os filhos e a escola”, refere. Há mil e um assuntos que
passam na sua mente. Sente necessidade de agir. Tem de estar presente e
controlar, “para que tudo não vire um caos”. Confessa que podia deixar as
filhas estudar sozinhas, mas receia que não acompanhem e depois já não consiga
tomar as rédeas.
Planifica os dias. As férias de verão
dos quatro filhos já estão programadas. A festa de anos de uma das filhas, em
outubro, já está idealizada. “Sei que me meto em tudo, mas não consigo estar em
casa e saber que há uma Associação que precisa de pais para fazer o seu
trabalho. Depois tenho de dar atenção a cada um leite deles, se ouço primeiro
um do que o outro já há um grande problema. Mas tudo se consegue, às vezes com
grande stress pelo meio”.
Quatro filhos. Maria João, Diana,
Rita e Manuel. “Só este período foram 30 testes. Para o ano, serão 42. É de
fugir… Há recados: mãe isto, mãe aquilo. Talvez seja mãe galinha, porque não
tive… Por vezes, devo ser exagerada, mas preciso de sentir que estou presente”.
São Sebastião da Pedreira. Lisboa.
Infância e juventude
Se com o pai teve pouco contacto, com
a família paterna ainda hoje tem um excelente relacionamento. “A minha avó,
tios e primos quiseram sempre saber como eu estava, como ainda hoje acontece.
Já o meu núcleo mais próximo, pai e mãe, nunca foi forte. Enquanto estiveram
juntos, apesar de tudo o que se passava e do que vi, sinto que foram felizes à
maneira deles”.
Nos colégios que frequentou era a
primeira a entrar e a última a sair. Os pais estavam sempre a trabalhar. “Podia
não haver muito dinheiro, mas para a menina havia a última sapatilha da moda e
roupa. Se houve dificuldade, nem dei por ela…”, relembra. Para ocupar o tempo,
andava em todas as atividades que a escola proporcionava, desde o ballet ao
desporto. “Como era muito comunicativa e prestativa participava em todas as
festas de aniversário e da escola. Gostava muito de cuidar e de estar em tudo”,
afirma.
Olhando para o passado, Vânia
comenta: “Não tive uma infância triste. Só não tive o núcleo familiar que
qualquer criança sonha, mas tive os amigos”.
Lá fora corre-se de umas divisões
para as outras. Há gargalhadas que nos contagiam.
Alcoitão. 1996. Universidade
Em Alcoitão, a primeira pessoa que
conheceu foi o Marco Clemente. Vânia procurava o seu nome entre a lista dos
alunos que tinham entrado. Não constava. Estava na marca de água. Depois de uma
troca de palavras, Marco garante-lhe que também ela ía entrar. Assim,
aconteceu.
Quando regressa, passados uns dias à
Escola Superior de Saúde do Alcoitão, quem vê novamente junta à pauta? Sim, o
Marco! Não foi amor à primeira vista, mas para lá caminhou.
O Marco estava a terminar o
bacharelato e a Vânia iniciava as suas pisadas na fisioterapia. O namoro
começou em dezembro e em fevereiro viviam juntos.
A vida de Vânia começou a
dificultar-se após o despedimento da mãe. Receosa por não conseguir pagar os
estudos, a jovem de São Sebastião da Pedreira pensou em abandonar o curso para
trabalhar. O jovem de Alcobaça não permite. Juntos arranjam uma solução. “Os
pais do Marco estavam na Alemanha e enviavam-lhe dinheiro. Sempre que podia, e
porque já tinha experiência, ele dava tratamentos em associações e eu fazia
promoção de produtos em superfície comerciais. Foi assim que fomos conseguindo
levar a nossa vida”, recorda.
Na sua mala andava sempre um caderno,
no qual apontava todo o dinheiro que o Marco emprestava. “Tenho tudo escrito,
desde um gelado, a uma peça de roupa ou um bilhete de cinema. Pensava que não
fazia sentido, se nos separássemos, que tivesse suportado todas as despesas”.
A verdade é que ainda hoje continuam
juntos e o caderno continua a ser apenas uma recordação. “O Marco foi o meu
pai, tutor, professor durante o curso. Não sou burra, mas sou preguiçosa para
estudar, desde que desse para safar era cinco estrelas. Obrigava-me a estudar e
a ler. Ainda hoje me recordo de uma prenda que me ofereceu durante o curso.
Tinha chumbado a uma das cadeiras. Chega perto de mim com a inscrição de um
exame, que tinha custado 7 contos. Pensei que belas sapatilhas ou calças tinha
comprado…”.
Entre nós, nesse momento, já estava a
filha mais velha, a Maria João, que se ri à gargalhada enquanto a mãe conta
esta parte da história. Quem conhece a Vânia sabe as expressões que faz enquanto
fala… Um momento delicioso.
A intenção de Marco Clemente, quando
a Vânia terminasse o curso, era regressar a Alcobaça. A jovem de São Sebastião
da Pedreira pede-lhe para ficar mais um tempo, porque tinha conseguido trabalho
no último estágio por onde tinha passado.
Acabam, assim, por prolongar a
estadia pela Capital. Compram um apartamento em Sassoeiros, em Oeiras, e por
ali fazem vida durante alguns, mas poucos, anos.
Em tom de brincadeira, Vânia dizia
frequentemente ao Marco que só ficava com ele se tivessem quatro filhos. Também
isso aconteceu, mas já lá vamos.
Abre uma vaga no Hospital de
Alcobaça. O Marco concorreu e entrou.
Alcobaça. 2000. Trabalho e família
O primeiro ano não foi nada fácil.
Ambiente diferente. Faltava a confusão a que estava habituada. “Lá tinha tudo à
mão, aqui nem um shopping havia, mas acabei por me adaptar e hoje não troco
esta cidade por nada. Sou feliz aqui”.
Em 2000, no Santuário da Nazaré,
casaram-se. O sogro, Carlos
Clemente, estava na Alemanha para ser operado, mas a “norinha” arranjou
forma de o ter presente. O telemóvel esteve sempre ligado, para lhe relatar
todos os passos.
Ainda mantêm a casa em Sassoeiros
durante algum tempo. Acabam por vender, porque a despesa começa a ser muita.
“Os ordenados relativamente a Lisboa baixaram muito e começou a tornar-se
insuportável manter as duas. Com o dinheiro que fizemos montámos a clínica e
fizemos umas boas férias. A partir desse momento, começa a nossa vida em
Alcobaça”.
“A physioclem tem sido a escola da
vida e uma casa onde posso cuidar de todos aqueles que nos procuram. Gosto de
estar perto das pessoas mais idosas e das crianças. Quando faço os domicílios
levo sempre muito de mim e partilho as minhas histórias. Somos uma lufada de ar
fresco na vida daquelas pessoas que por alguma razão já não podem sair de casa.
Como gosto de comunicar, cuidar e tratar torna-se uma experiência enriquecedora
e sem a qual já não sei passar”, garante.
Alcobaça. 2003 até hoje. Família
Vânia sempre quis ter os quatro
filhos seguidos. Nasce a Maria João em 2004, a Diana em 2005, a Rita em 2006 e…
Espera! “O meu sogro diz: Alto. Isto não pode continuar assim”. As meninas
cresciam na clínica, na maioria das vezes era o senhor Carlos que as transportava
no marsúpio.
“Um dia cheguei à clínica, vinda de
um domicílio e estava o meu sogro a preparar água com leite para dar à Diana
porque já não havia quem a calasse com tanta fome. Confesso que não era nada
fácil. Cheguei a apresentar trabalhos, quando estava a tirar a licenciatura,
grávida e a dar a mama”. Foi na physioclem que
as minha filhas estiveram até ir para a pré-escola, nos últimos tempo já com a
ajuda da Quina, que veio para tratar das roupas e limpeza da clínica, mas
acabou por ficar a tomar conta dos meninos.
O Manuel saiu fora das contas do
calendário inicial e nasce passados quatro anos da data prevista, em 2010.
Desta vez, um menino!
Entretanto entra a Rita no quarto,
para mostrar uma libelinha que tinha feito com legos. A atenção da Vânia
desvia-se para a filha que elogia a construção, enquanto lhe passa a mão pelo
cabelo. Também o Marco precisa de auxílio para fazer o tratamento ao Manuel.
Nesse momento, Vânia Clemente começa
a descrever os filhos e o marido:
Maria João - “É inteligente e
estudiosa como o pai. De mim herdou a organização e o método. Tem de estar tudo
nos devidos lugares. Vejo-a a trabalhar na área da saúde, mas não no sentido de
cuidar, porque não gostar de tocar”.
Diana - “Tem o corpo igualzinho ao
meu. É uma menina que anda sempre com a cabeça na lua, no futuro. Certamente
será uma cientista ou criativa”.
Rita - “A Rita é um diamante por
lapidar. Diz sempre o que lhe vai na alma. É explosiva. Poderá seguir a
profissão dos pais, porque gosta de cuidar, de tomar conta. Tal como eu, não se
importa de tocar”.
Manuel - “É o Marco chapado. Meloso.
Fica muito triste quando não damos atenção. Se eu e o pai estamos a dar um
beijo, mete-se no meio. Vejo-o a trabalhar no meio da natureza e dos animais.
Diz que quer ser paleontólogo”.
Marco - “É um ser humano maravilhoso.
Muito calmo, muito tranquilo e dócil. Gosta de festas, mas não gosta de estar
no meio da confusão. Prefere estar no seu canto a conversar. Tudo o que temos
conquistado partiu da sua excelente maneira de ver e conduzir a vida”.
Quando terminámos a conversa, já a
Rita dormia num cantinho da cama e o Manuel coçava os olhinhos. Chegou o
momento de dormir. Na sala, os mais velhos jogavam batalha naval. A casa estava
mais calma, tranquila. O Manuel arrastava a mãe pelo braço, puxando até ao
quarto.
Ao longo da conversa com Vânia
Clemente, a palavra cuidar esteve sempre presente. Cuidar de tudo. Talvez,
sinta necessidade de cuidar, para colmatar algumas ausências da sua vida. Quando
cuidamos com amor, só podemos receber mais amor…
Luci Pais
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